quarta-feira, julho 21, 2010

Escuto-me
Com pequenos goles de sangue
E no céu
Asas de um anjo
Curvam-se no pôr-do-sol

O medo de se extinguir
Adormece com a Lua
A crescer
Sente-se pequeno
Confunde-se nos limites do olhar

Os sinos tocam
Rasgam -me
Em tons púrpura
Resta adormecer para a mortalidade
Do último canto do dia

domingo, julho 18, 2010


Incógnita

Nas ruas desabitadas
Inundadas de almas
Nuas como o vento

Vi pegadas de ninguém
No pôr-do-sol
Prateado na rocha antiga
Dourado na pele salgada
Lágrimas num mar azul

Seria cheiro de pólvora
Desse fogo vadio?
Seria medo camuflado
De mendigo do mundo?

Acompanhei-a num suspiro
E desejei-a sem outro homem
Que a pisasse como sua

terça-feira, julho 06, 2010


Troca de Palavras


Penso nas palavras que poderei libertar, mesmo que me saiba melhor o silêncio, um suspiro vicioso e o toque frutado de um copo meio vazio.

Serei um copo meio vazio à espera de ser meio cheio?

Desde que provei a liberdade, jamais me permiti a ter mais fome do que aquela que os olhos podem comer, porque o corpo é fraco e de débil auto-suficiência. Melhor que um copo meio cheio era não ter copo e ser o seu conteúdo nos lábios etéreos de uma flor a desabrochar o vermelho sangue nas lágrimas prateadas de um unicórnio que sonhava ter asas para alcançar as estrelas de toda a sua vida contadas.
Dou mais um gole, acompanhado de um cigarro para que mantenha a consciência de acolher a noite tardia e cumprimentar o gato que se aproxima com vozes de luar. Ainda assim, continuo a ser metade de tudo o que sonho ser, mais um entre tantos.
De copo vazio, abandono o terraço e as conversas com o gato, para me deixar perder nas palavras dos outros e em copos cheios.

Hoje troquei-te pelo fascínio da minha cidade. Troquei-te por este olhar profundo que se começa a notar com o marcar do tempo. Hoje troquei-te pelo desespero de me saber ter sem outras mãos a segurar os sentidos, e foi necessário escutar o vento quente para saber o seu valor, sufocado pela racionalização do mundo.
Hoje troquei-te pelo prazer de me enfrentar; ou terás sido quem me trocou pelo desprendimento humano, ou pela simples vontade de te ser indiferente?

Troquei as quatro paredes seguras porque não quero ser fiel aos meus medos. Troquei-te pelo olhar sincero de uma cidade com mais para sentir do que todas as palavras que saberei escrever.
Troquei as fobias só para não me sentir trocado, para me ser como uma criança que não conhece a dor de pensar, que é tão ingénua como as histórias que desenha numa folha de papel. Rasgar construções frásicas, ainda que desprovidas de interesse, poderá ser como desenhar nesse mesmo alheamento?
Gostava de saber dizer como me parece medieval a cidade com o tocar dos sinos, como se transforma com o sol bocejante.
Andorinhas rasgam os céus. Quase poderia dizer que, se as arrastasse como arrasto a tinta nas páginas virgens, seriam imaginação e histórias sobre o castelo para quem dançam. Poderiam contar as histórias das pessoas desta cidade, e de outras mais quentes na sua partida, não tão belas certamente. Em que outro mundo podê-las-ia ouvir com tal liberdade? Que outras muralhas contemplariam o fascínio de um labirinto de sombras esbatidas em tons de azul, rosa e púrpura? Poderia esquecer tudo isto e as palavras que apenas revelam uma parte de um todo inexplicável?

Troquei-te pelo que os olhos absorvem, pelo rosar do céu, pelos labirintos de sombras, pelo verde nas muralhas de um castelo abandonado na história.

Troquei-te pelo cheiro quente do vento a afagar-me os cabelos, pelo aconchego de me deixar absorver numa réstia de dia no horizonte que une as margens da razão à emoção.

Troquei-te pelos sinos a roçar na amargura dos lábios humedecidos, pelas fábulas de andorinhas contadoras de histórias sobre homens.

Troquei-te pela liberdade de fingir que não foste tu quem me trocou por banalidades, porque nada é mais importante do que o céu a tingir-se de magia, o vento a sussurrar-me ao ouvido cantigas de viajantes do tempo, um castelo guardado por muralhas verdes e andorinhas contadoras de histórias, um rio que uma ponte pacifica com a união de conceitos diferentes que só a alma descodifica, uma cidade que acolhe todos os sonhos daqueles que ainda se lembram de como se sonha.

No fim, pergunto-me: terei realmente desejado outra coisa?