sábado, junho 24, 2006


Minha Doce Perdição

Pressinto algo a corroer-me as entranhas
Sem dar sinal de quando vai cessar:
É um nervoso miudinho e silencioso
Que pressente todos os medos escondidos.

Deixei-me envolver num manto de silêncio
Procurando um desejado sossego apaziguante,
Mas apenas colhi o seu amargo inverso.
Como é traiçoeiro o nosso destino!

Queria-me rodeado deste calor de Verão
Pois lá fora vejo a vida alegremente despertar,
Mas escuto, agora, loucas agonias perdidas
Em lamentos que eu próprio desconheço.

Aprendi no ardor desta minha pele
Que na verdade não somos nada:
Desconhecemos os nossos próprios sinais,
Perdemo-nos na insegura mudança...

Dizem que somos uma evolução permanente
Mas eu apenas vejo um relógio velho
Cujos ponteiros lentamente avançam
Devido a uma corda preguiçosa.

Será que amanha poderei ver o Mundo
Sem medos recomeçar a girar?
Sei que não, mas este coração gosta de surpresas!
Coitado, acredita que a esperança nunca morre...

Oh! Mas parece que já se deixou morrer!
Lá em cima dizem-me que não, mas até convém,
É bom chuchar o tutano de uma triste nação
Que já não tem para comprar o seu próprio pão...

segunda-feira, junho 12, 2006


A Antero de Quental

Não sou poeta, não tenho a voz
nem o dom de mudar o mundo.
Também tu não os tinhas
e por este mundo te perdias
escutando, amordaçado, as injúrias
que lentamente te consumiam.

Sonhaste com um novo mundo
e no teu cavalo branco
de cavaleiro andante
o buscaste incessantemente
e ao cansaço já te rendendo
a enganosa ilusão ias sorvendo...

Não sou poeta, talvez nunca o serei.
Tu sim o foste. Provaste as amarguras
de uma vida de sonhos
na penumbra assombrados.
Por nós viveste e por nós morreste,
pelo sonho deste mundo mudar.

sábado, junho 03, 2006


Numa Explanada Colossal

No centro de uma cidade de almas nuas,
Tão apressadas, tão irrequietas
Deixo-me perder nas suas ruas
Errando rumo a novas descobertas.

Deparo-me então numa ruidosa esplanada
Fumando o meu cigarro e com um jornal,
Que triste me revela em voz cansada
A miséria, o descuido de uma política provençal.

Faço uma pausa para o Tejo observar,
Num espaço guardado pelo Adamastor:
É quieto, é frouxo, já não sabe amar,
Já nem sente sequer a dor...

Oiço músicas (serão mesmo?) indecisas
Que pairam no ar com diferentes odores
E cores que se perdem – esquecidas
Num lugar de ninguém, de errantes pecadores.

quinta-feira, junho 01, 2006


Triste Ruína

Para onde foi a tão desejada perfeição?
Como uma torre de marfim abandonada
Deixou-se ruir pelo Homem, gasta e cansada,
Entregue ao abandono dos que se lamentam...

Já não reside na nossa memória.

Tristes e corruptos, são escravos do seu tempo;
Criaram algo que para mim já não existe!
É apenas uma ilusão que ainda persiste
Instituída como glorioso sacramento...