segunda-feira, agosto 31, 2009

Palavras Pequenas

A vida do gato boémio persegue-me enquanto durmo. Aquela sensatez bebida de quem se esconde no próprio grito já não me intriga, é ver o orgulho ferido quando o relembro entregue à melancólica melodia que trazia nos lábios, a cobrir os olhos com as mãos frias, que me faz as palavras de inocente simpatia.
Soube que nasceu sem nome. Cada um deu-lhe o que quis (diz ter muitos). Mostrou-se como gato boémio com letra pequena num guardanapo de papel com café. As palavras são pequenas, como eu, num papel onde se limpa a boca que os outros sujam e amachucam e deitam fora. O café é para dar genica ao pulso.
Não é o nome a forma que atribuímos à face da lua? A simplicidade desses signos, a ligeireza para uns, a grandiosidade para outros, apenas a vontade de um sentido. Tudo o que as mãos não sentem esconde-se nessa máscara de porcelana, tão bela, brancura pálida coberta de uma de muitas cores, um traço por cada sonho.

quarta-feira, agosto 26, 2009



O que ontem encenei, com os gestos postos sobre uma audiência furiosa, foi a dança perpetuada de mãos alheias. E hoje, a liberdade caustica permite-me recriar a vontade de um sonho, inflamando o corpo numa tentativa mesquinha de limitar a extravagante construção do meu castelo.
Como alma retalhada quedo-me a um canto mal iluminado. Não vejam nos meus olhos os devaneios púrpura que evadem e despertam a cidade. Não seria sensato deixar permanecer a insegurança desta gente. Que não os vejam para que fiquem, para que não mos levem.
Só depois veio o gato boémio. Não sendo dado a conversas com estranhos, declamava façanhas afagando os bigodes cuidados. E eu ouvi-o numa noite madrugadora, partilhando de seus vícios. Exausta perspectiva da inconsciência prática, como quem bebe um copo de vinho tinto ao som de jazz e do crepitar do fogo intelectualizado. Ouvi, na delícia do sumir das estrelas, um cocktail de sonhos miseráveis brindado ás suas loucuras gulosas.
O que recorda é a ansiedade, foi tudo o que lhe restou. Não foi a casa que ardeu. O fogo vinha de dentro, sem queimar, estava no peito a consumir-lhe o ar que respirava, e o corpo pedia mais. Foi necessário lançarem-no ao mar numa noite fria de Janeiro. Abraçou-o sem receios e adormeceu.

sábado, agosto 15, 2009


Quase

O silêncio é infinito nos lábios de quem não ouve. Uma mistura química, o gosto quase doce a escorrer nas mãos quase frias. É o silêncio.
Um quase silêncio atrofia. O ranger de uma porta até que finalmente se dissipa com o estalar do trinco. Passos vermelhos no soalho escuro. Um quase que não é. Um quase resulta no zumbido da lâmpada, a pedra do isqueiro e um suspiro cinzento.
E tu olhas-me. Fecho os olhos para não me veres. Era um espelho. Os espelhos e o quase silêncio atrofiam. Ou é cá dentro que se contorce contra as paredes conscientes. Uma quase ironia que as palavras não sentem, é falso dizer que sim.