domingo, janeiro 24, 2010


Presas e Predadores suicidas

Faço-me perder na Cidade entre malabarismos de fogo e sombras velozes. São tão poucos os sinais, facilmente extintos nas almas de gente igualmente fácil. Não oferecidas, mas levianas no modo de pensar e agir, de vista turva sobre o trânsito das tarefas diárias. Também serei assim, hoje ou amanhã?
O meu passo apressado é a fuga de instinto selvagem a que me dou de modo automatizado. A lebre assustada que cheira os caminhos alheios e escuta o longínquo, só para não correr o risco de ser surpreendida por um qualquer gesto. Que predador terei guardado inconsciente, no sono reprimido e na vertigem exaltado?
E porque apenas me liberto em palavras silenciosas ao invés de confiar na sua expressão sonora quando empregue num simples verbo ou acção. Não sou bom actor, não tenho a arte de reciclar emoções em sensações causa-efeito. Se ganharem voz, moldam-se ao pensamento imediato. A sinceridade mata. E entre tantas coisas simplesmente humanas, sabe-me o risco da insónia ao mais profundo suspiro.
Pudesse eu ao menos ser a estável metamorfose fria a erguer-se da fantasia. Mas quem seria eu? Talvez outro humano na sua miserável insensibilidade afortunada. Será real essa existência ou apenas uma camuflada expressão de vulnerabilidade discreta? No fundo, a força, não os impede de morrer nos escombros do seu pensamento, é a utópica segurança desses audazes peregrinos, desses suicidas inconscientes.

domingo, janeiro 17, 2010

Eu e as palavras

Como poderei ter esquecido as palavras, mesmo antes de verdadeiramente as conhecer, se delas faço parte como um todo, como o simples ar que respiro? Talvez desconheça o meu próprio sentido e tenha, assim, renunciado à interpretação obscura dos pensamentos vertidos de uma alma inquieta, para que não me reveja na sua essência, nesse auto-flagelo. Na tentativa frustrada de projectar nos outros essa imagem pálida e baça, reconheço o excessivo drama enaltecido por emoções e sentidos que só as palavras descortinam em jeito poético.

É a poesia em mim um fervilhar de coisa nenhuma, o magma nas artérias sob uma crosta de pó e areia, de questionável valor, uma exposição amontoada de razões desprovidas de razão, de loucura (in)consciente, de uma vontade de vomitar tormentos insignificantes, um quase sufoco no próprio líquido amniótico. Num mero acaso, o rasgar da placenta, das vísceras e da carne. Libertar-me, num mero acaso.

Sou o meu próprio inimigo. E o Mundo é a minha pequena masmorra.