sexta-feira, fevereiro 20, 2009


Pelas tuas palavras

Nunca cheguei a contar o que vi nas tuas palavras. Talvez por me sentir também responsável pela sua amargura e solidão, um embolo de desespero, ou por ter desejado ser, não desejando, não sendo. Palavras e apenas palavras, mas palavras que contam histórias, histórias de ti e do teu mundo, esse mundo que me cativou e, de certo modo, encantou.
Dizias que a idade iria ser o pretexto futuro para nos perdermos e eu respondia que não, que gostava de ti pelo que eras, desculpando mais tarde o que nos era comum com essa tua necessidade sombria de te fechares em ti mesmo.
A culpa não é tua, como antes disse. Também não é do tempo como sublinhavas com olhos tristes. Apenas minha, que não acredito em nada, nem em deus, nem nos humanos, nem no mundo, nem na simplória existência das coisas em que toco e, um dia, acabarei por odiar todas essas coisas e muitas outras, mas a culpa não é tua. Talvez não seja de ninguém.
Mas sabes uma coisa? Gostei daquelas palavras, como gosto de as ouvir em ti, e acreditei nelas. Não fosse eu um ser tão estéril, poderia ter outras vontades…

sábado, fevereiro 14, 2009



Bicho de hábitos

As manhãs eram sempre frias. Ouvia o murmurar do vento e as vozes da cidade para depois fechar os olhos e adormecer. Eram vontades indisciplinadas que trazia dentro de si, amantes do silêncio, do repouso da mente, apenas atingível durante as longas noites de solidão. Depois adormecia na alvorada. Certos dias sentia culpa, muito ténue e rapidamente esquecida, assim como tantas outras emoções, sensações, palavras. Bicho de hábitos estranhos, incoerentes talvez, mas o casulo era frágil, ou simplesmente o pensou , sonhou, e é agora a metamorfose.

Naquela manhã acordou com os primeiros raios de sol, ouviu música, riu-se e disse piadas. Viu o mar, o despertar da cidade, irrequieta, com pessoas a andar de um lado para o outro, como tinta que se espalha frenética numa tela suspensa. Uma única refeição para o resto do dia, os telefonemas desesperados por vozes conscientes, um reconforto, um pedido, um choro afagado.

Segundos, minutos, horas. A noção do tempo!

A noção do tempo que lhe passou na pele, e desse tempo ela apenas recordava a dor nos sonhos escassos e em todos os cantos da sua rotina. E como já passou tanto tempo, restava-lhe desejar a morte. Era o que ela lhe dizia, de olhar assustado, cansado. Também ele a olhava cansado, acendendo um cigarro que intervalava com pequenos goles na chávena quente de café, para depois inverter os papeis, porque não só a idade tem experiência na dor e ambos a sentiam, ainda que de maneiras diferentes. Resolveram esquecer o que motivara aquele encontro para se perderem nas memórias remotas de um tempo feliz.

O conceito de felicidade é tão ridículo como o seu agendar num calendário, decidindo quando se deve amar, sorrir, festejar ou até mesmo morrer. São apenas números com atributos impostos pelo meio envolvente, mau uso das palavras, mnemónicas para recordar as emoções que se julga ter provando apenas a sua ausência. Não precisava de dias marcados para ser feliz, até porque ser feliz e dizê-lo pelo mundo é bimbo, provando apenas o contrário.

Nessa noite dormiu profundamente, só voltando a acordar na noite seguinte…

terça-feira, fevereiro 10, 2009



Um estranho

Atravessas esta estranha memória
Com esse teu gesto distraído, silencioso:
Um suspiro de palavras despidas
Largadas como folhas de Outono…

Ainda te lembras do meu nome,
Este nome que ontem perdi,
Que ontem gentilmente ofereci
A um qualquer estranho?

Não era um qualquer estranho.
Dizia não ser um qualquer humano,
Era outra coisa qualquer
Que da vida não sabe o que quer;

Foi o que me disse sem palavras
Porque as palavras são esquecidas
Quando ditas sem valor,
Quando fingidas sem pudor…

sábado, fevereiro 07, 2009

Um pouco desse vinho

Respira fundo, dizia ela enquanto abria uma garrafa de vinho tinto, vais ver que as coisas vão mudar, talvez amanhã, não sei. A rolha a roçar no gargalo guinchava, apertada. Não te quero ouvir, não acredito em ti. Riu-se, enquanto o servia. Por que te ris? Bebeu um pouco e atirou o copo contra a parede. Parecia sangue a escorrer. Não me ouves?

Nunca o ouviu. Estava sempre ocupada a fazer coisas importantes, inadiáveis, não que fossem úteis, mas eram sem dúvida importantes. Ainda hoje está. Não fala com ninguém, apenas se ri. Também chora quando tem vontade.

A luz apaga-se e ela continua a rir. Volta a acender, a sala está vazia. Mas a parede branca continua manchada. As paredes deviam ser vermelhas, um vermelho quente como vinho tinto, como sangue, como as rosas daquele jardim onde ia tantas vezes.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009



O silêncio de uma vela acesa
Faz-me ter vontade de a beijar,
Beber um pouco do seu fogo,
Incendiar a mente…

Morde o lábio que treme em nervoso miudinho.
Chegou ao fim.

Morre o pavio
Num grosso fumo cinzento
E regressa à cidade
Onde espera por nada.

Silêncio.
O corpo dorme na tua ausência.

Deixa-me acordar sozinho,
Não me lembres que ambos existimos.
Deixa-me partir
E depois chegar.