terça-feira, dezembro 08, 2009



Veja-se o corpo despido do mundo
Sobre si mesmo o renascer
Sem viva fonte, um elo ausente
Veja-se o corpo na sua forma
E o profundo à sua volta:

Estilhaço de lua, ar que se afasta
O fogo que se apaga devagar
Resta o desejo de sentir o vento
Um simples respirar.

Os dedos perdem-se na procura
Num alcance que se afasta
E no olhar a expressa loucura
De um cisne que se devassa…

sexta-feira, outubro 30, 2009



Ousar ser Livre

Quem deu ao mar a sublime liberdade
De ser mais que o toque salgado num corpo quente,
O rugir a dissolver-se na espuma branca,
Quem a deu esqueceu a alma.

(Querer) Ir além da noção física que a carne envolve
Superar a fome e a sede
Os sentidos, a gravidade - (a civilização?)
Rasgar os preconceitos da língua!
Fluir apenas, como quem respira.

Quem se esqueceu de esquecer os “outros”,
Esses que nos vêem quando não os vê-mos:
Um olhar que se afasta, uma alma que se apaga
E prende mais um pouco…

Ousava ser o rebentar das ondas,
Ir além de todas as condicionantes e politiquices
Onde sempre serei mortal…
Mas quem deu ao mar a liberdade
Não esqueceu a arte de sonhar.

domingo, outubro 25, 2009



Era eu a fome contida no seu silêncio
Sem palavras a quem deixar o desespero;
Era eu por dentro:
Uma espécie de (des)construção maciça,
Sobreposta ideia (in)constante;
O segredar de um desejo próprio
De quem se desconhece mais que do mundo.

Era tantas coisas, e coisa nenhuma,
Um espelho embaciado e um corpo molhado
No seu sal, na aridez rochosa de qualquer falésia.
Era vertigem num céu de lua branca!

(Des)faço-me na penumbra das manhãs
E não me vejo senão em recatado caminho;
Escondo-me do fogo que respiro
Da (in)consciência de que existir é um gargalhada…

E eu que detesto circos e palhaços.

segunda-feira, setembro 21, 2009


Espiral

É o Mundo não outro que pequeno quintal
Nosso, deles, de ninguém ou de si mesmo
Em profundo pensamento estéril.
O Mundo é uma espiral ao meu olhar
E o que sou encerra-o num esgar soturno
Para que cuspa o sangue e a fome;

Essas palavras são de fome e não de sede
Porque sede tenho eu e não bebo.

Face ao mundo que não é
De tudo aquilo que eu não sou - fui - serei
Porque não me sou, nunca me sou;
Uma espiral que não encerra o seu gesto circular.
Sou uma espiral de argolas irregulares
Não de argolas, que não se unem
Como eu não me uno ao mundo, nem a mim nem a ninguém,
Vou-me reinventando sem escrúpulos
Sem sentido de metamorfose.

E o mundo é pequeno quando o atravesso
As ruas são pequenas, os cafés são pequenos
As almas são pequenas e assim as palavras.
Eu, que não sou grande, não consigo ter espaço
Não consigo respirar entre tanta gente,
Um sentimento de claustrofobia que se repete
Entre as mesmas máscaras pintadas de branco
Tão complexamente vazias na sua fútil existência.

É o mundo pequeno e as pessoas pulgas,
Parasitas de máscara branca com olhos de porcelana,
A vazia igualdade expressiva - sugam vida
Não a sua, mas entre si, canibalescas
Consomem-me também
Se adormeço no seu tédio de existir,
Não me sabendo ser se não no recomeço
A espiral a que me faço ser repetidamente
Sem nunca ter nascido, sem nunca vir a morrer,
Porque não sei ser outro que não isto
Num mundo pequeno como os seus,
De pequenas vontades e destreza para sonhar.

Todos pequenos, todos iguais, num qualquer sítio
Talvez numa espiral, talvez;
Talvez bebendo mais um copo
Esquecendo vidas tão pequeninas;
Quase podia sorrir pois não as teria de ver,
Essa histeria de viver sem uma história.

Glória, ó Glória povinha
Que se assombra nos astros de ontem
Uma sombra perdida na sua noite
No mais profundo silêncio

O Mundo é excessivamente pequeno

segunda-feira, agosto 31, 2009

Palavras Pequenas

A vida do gato boémio persegue-me enquanto durmo. Aquela sensatez bebida de quem se esconde no próprio grito já não me intriga, é ver o orgulho ferido quando o relembro entregue à melancólica melodia que trazia nos lábios, a cobrir os olhos com as mãos frias, que me faz as palavras de inocente simpatia.
Soube que nasceu sem nome. Cada um deu-lhe o que quis (diz ter muitos). Mostrou-se como gato boémio com letra pequena num guardanapo de papel com café. As palavras são pequenas, como eu, num papel onde se limpa a boca que os outros sujam e amachucam e deitam fora. O café é para dar genica ao pulso.
Não é o nome a forma que atribuímos à face da lua? A simplicidade desses signos, a ligeireza para uns, a grandiosidade para outros, apenas a vontade de um sentido. Tudo o que as mãos não sentem esconde-se nessa máscara de porcelana, tão bela, brancura pálida coberta de uma de muitas cores, um traço por cada sonho.

quarta-feira, agosto 26, 2009



O que ontem encenei, com os gestos postos sobre uma audiência furiosa, foi a dança perpetuada de mãos alheias. E hoje, a liberdade caustica permite-me recriar a vontade de um sonho, inflamando o corpo numa tentativa mesquinha de limitar a extravagante construção do meu castelo.
Como alma retalhada quedo-me a um canto mal iluminado. Não vejam nos meus olhos os devaneios púrpura que evadem e despertam a cidade. Não seria sensato deixar permanecer a insegurança desta gente. Que não os vejam para que fiquem, para que não mos levem.
Só depois veio o gato boémio. Não sendo dado a conversas com estranhos, declamava façanhas afagando os bigodes cuidados. E eu ouvi-o numa noite madrugadora, partilhando de seus vícios. Exausta perspectiva da inconsciência prática, como quem bebe um copo de vinho tinto ao som de jazz e do crepitar do fogo intelectualizado. Ouvi, na delícia do sumir das estrelas, um cocktail de sonhos miseráveis brindado ás suas loucuras gulosas.
O que recorda é a ansiedade, foi tudo o que lhe restou. Não foi a casa que ardeu. O fogo vinha de dentro, sem queimar, estava no peito a consumir-lhe o ar que respirava, e o corpo pedia mais. Foi necessário lançarem-no ao mar numa noite fria de Janeiro. Abraçou-o sem receios e adormeceu.

sábado, agosto 15, 2009


Quase

O silêncio é infinito nos lábios de quem não ouve. Uma mistura química, o gosto quase doce a escorrer nas mãos quase frias. É o silêncio.
Um quase silêncio atrofia. O ranger de uma porta até que finalmente se dissipa com o estalar do trinco. Passos vermelhos no soalho escuro. Um quase que não é. Um quase resulta no zumbido da lâmpada, a pedra do isqueiro e um suspiro cinzento.
E tu olhas-me. Fecho os olhos para não me veres. Era um espelho. Os espelhos e o quase silêncio atrofiam. Ou é cá dentro que se contorce contra as paredes conscientes. Uma quase ironia que as palavras não sentem, é falso dizer que sim.

terça-feira, junho 23, 2009

MaD wOrLd



Sou desnecessário e descartável.
Reciclável?
Já tentou, má ideia, estoirou-lhe na cara de bicho.
Lixo.
Já fui pior.
Aceitável, digamos, mas só para alguns.
Os outros não me conhecem.
Ainda assim falam, muito se fala nesta praça…

E a culpa é de quem?
Minha?
Tua?
Nossa?
Deles?

Vamos tentando arranjar desculpas para o indesculpável.
Ás vezes tenho sono e não consigo dormir.
Outras não posso.
Não quero.

Arrasto-me da cama para a casa de banho.
Da casa de banho para a cozinha.
Da cozinha para o quarto.
Do quarto para a rua.
E a aventura começa numa correia estupidamente desnecessária.

Um livro, um sorriso.
Um livro, um misto de emoções.
Palavras simples, palavras rebuscadas, debruçadas sobre a mente.
Morrem depois no silêncio de nunca serem ditas.
Na língua seca, numa boca amarga.
Num ego desfeito.

Se sou feliz?
Sou.
Se sou louco?
Talvez.
Sim.
Faço um esforço.

quinta-feira, junho 18, 2009


Ansiedade

Lágrimas sobre a pele
Quente
São beijos discretos que me percorrem
No silêncio
A ansiedade constante

Não mais que um momento
Perdido algures
Entre olhares e palavras
Molhadas
Sentidas - sôfregas vontades

É o acordar na incandescência
Inconsciência talvez

Extingo-me
Reinvento-me amanhã

quarta-feira, maio 27, 2009


Vontade de cegueira

Esses olhos que não sabem ver
O céu púrpura a tingir o mar
Cobrem mármore pérola,
Roubam o sabor da terra.

Respiro ar que não sai!
Amassou palavras secas com as mãos sujas
E os olhos não sabem ver
A vontade que não sabe ser;

Do corpo jorram promessas
Insanas e devassas expressões,
Nuvens e anjos e pássaros
E todas essas estranhas noções.

Esses olhos não sabem ver
Uma vontade que não quer ser,
Cega de si, cega de mim:
Cega de todas as cores do mundo…

sábado, maio 23, 2009

Brandi Carlile - The Story




All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you

I climbed across the mountain tops
Swam all across the ocean blue
I crossed all the lines and I broke all the rules
But baby I broke them all for you
Because even when I was flat broke
You made me feel like a million bucks
Yeah you do and I was made for you

You see the smile that's on my mouth

Is hiding the words that don't come out
And all of my friends who think that I'm blessed
They don't know my head is a mess
No, they don't know who I really am
And they don't know what I've been through like you do
And I was made for you...

All of these lines across my face
Tell you the story of who I am
So many stories of where I've been
And how I got to where I am
But these stories don't mean anything
When you've got no one to tell them to
It's true...I was made for you

Oh yeah, it's true... I was made for you.

domingo, maio 03, 2009



Se lamentava aquelas memórias
soltas no pêndulo inconstante do tempo
era pelo fogo quente,
julgava queimar-me a mente.

Tudo era como uma rosa
beijada ao encanto da lua distante:
escondia-se dos dias
na sombra que procurava - já sua
entranhada na terra crua,
fechada!

Vejo nessas mãos feridas por que passo
a vontade de se afundarem no olhar
e lavar o sangue em sal.

sexta-feira, maio 01, 2009



Black Cat Dream

Um gato preto na janela
de olhar atento
dado a serenatas á lua cheia
de sonhos
e eu que trago cá dentro
ventos e tempos
não o ouvi miar.

Raspava na janela de vidro fosco,
procurava encontrar-me
numa sombra
no silêncio
e eu que julguei ser o vento
folhas secas no parapeito
não o ouvi chamar.

Esta noite deixo-te entrar
com olhos de lua
o ronronar
ou simples folhas secas
e serão sonhos vagos cá dentro
a fermentar de medo
de não serem ouvidos…

terça-feira, abril 28, 2009



Lágrima de Papel

Quero rasgar esta lágrima de papel
Mancha que se expande
Que se entranha neste que a devora;
Esponja seca parece
Dilatando - tímida parece.

Respira fundo - uma flor que se abre
Nas mãos que tremem convictas…

Sente o toque áspero na língua
E sorve mais um pouco
De olhos fechados para não se ver:
Quase que saliva gulosa!

Quero não ver, talvez esconder
Como corpo morto que na terra cresce
Ser parte dela - voz sem palavras
Ou rasgá-la na mente que dorme
Inquieta sem saber.

domingo, abril 26, 2009

(Rossio, 25 de Abril de 2009)

Um Murmúrio Sobre a Cidade

Um murmúrio sobre a cidade, confundia-se com o cinzento do céu. Tardou a marcha já gasta; afinal foram pesando os anos na voz, ou censurada a consciência. Muitos sim, erguidas bandeiras com a força de uma revolução estagnada, apenas mais uma.
Florescia o cravo no peito, florescia já para morrer no protesto das reformas apertadas, da igualdade de direitos, do capitalismo inflacionado, da mobilidade urbana, do desemprego e da precariedade - crises entre outras tantas. Não fosse o rufar dos tambores, nas suas batidas rítmicas, morreria a flor sem sangue, morreria num cálice de licor amargurado.
Ainda vi os velhos desse tempo arrastados na motivação para o regresso. Diziam que a culpa é dos jovens, que não sabem o que é o 25 de Abril… Quem sabe?

sábado, abril 25, 2009


Censuradas

Dizia palavras enquanto crescia
Algures entre espelhos ,
Palavras que depois perdia
Nos lábios mordidos receios.

Queria dizê-las em voz alta
Nas ruas de linho queimado.
Chão de sangue imundo!
Gritando fazerem falta
No silêncio de todo um mundo
Pela morte de um soldado de prata.

A boca que secava na madrugada,
A água que não vertia ,
A cabeça que doía:
O canto da velha cigarra…

Vão-se breves ouvindo
Desenhadas em marcha lenta
Quando a tenta a mão
E cobre-se de pó e terra
Amassando na boca o pão.

Mordidas são salgadas,
São sofridas e veladas;
Nunca ditas tempestuosas sílabas:
Umas magoam - outras são frias…

…Nunca ditas!

segunda-feira, março 30, 2009

Azenhas do Mar, Março 2009

Onde me levas
com o vento solto nos cabelos
quando me abraças na espuma branca das ondas?

Asas feridas,
essas que seguras com o calor das tuas mãos
enquanto me olhas cá dentro
e me aqueces…


…Aqueces a minha Lua com o teu Sol…
…Fazes do Mar sonhos de prata…
…Um anjo no Horizonte…

sábado, março 21, 2009



À semelhança dos deuses

Inventei-te à semelhança dos deuses
No fogo da fantasia de um qualquer dia
Em que me procurava na cor púrpura,
Na espuma branca que naufragava
Onde o tempo a consumia por vaidade.

Abraça-me na ausência das palavras,
Faz-me esquecer a carne e o sangue,
A vontade e o desejo mundano.
Faz-me renunciar aos sentidos do corpo.

São teus estes olhos perdidos na guerra
E meu este pequeno músculo frenético:
Um molusco sem concha, entre chamas!

Inventei-te à semelhança dos deuses
Para te ver partir num barco de fogo…

…para me cobrir com um manto de silêncio.

quarta-feira, março 18, 2009


Palavras de sangue

E se as palavras fossem meu sangue,
Quantas poderia derramar
Até meu corpo exausto secar?
Quantas?

Fervem sedentas de liberdade:
Segura-as o tempo com curta rédia
Cingindo à castidade severa.
Fervem!

Derramadas sobre um jardim de lírios
Vejo-os secar antes de adormecer
E de brancura apagada vêem-me morrer
Silenciosos…

sexta-feira, fevereiro 20, 2009


Pelas tuas palavras

Nunca cheguei a contar o que vi nas tuas palavras. Talvez por me sentir também responsável pela sua amargura e solidão, um embolo de desespero, ou por ter desejado ser, não desejando, não sendo. Palavras e apenas palavras, mas palavras que contam histórias, histórias de ti e do teu mundo, esse mundo que me cativou e, de certo modo, encantou.
Dizias que a idade iria ser o pretexto futuro para nos perdermos e eu respondia que não, que gostava de ti pelo que eras, desculpando mais tarde o que nos era comum com essa tua necessidade sombria de te fechares em ti mesmo.
A culpa não é tua, como antes disse. Também não é do tempo como sublinhavas com olhos tristes. Apenas minha, que não acredito em nada, nem em deus, nem nos humanos, nem no mundo, nem na simplória existência das coisas em que toco e, um dia, acabarei por odiar todas essas coisas e muitas outras, mas a culpa não é tua. Talvez não seja de ninguém.
Mas sabes uma coisa? Gostei daquelas palavras, como gosto de as ouvir em ti, e acreditei nelas. Não fosse eu um ser tão estéril, poderia ter outras vontades…

sábado, fevereiro 14, 2009



Bicho de hábitos

As manhãs eram sempre frias. Ouvia o murmurar do vento e as vozes da cidade para depois fechar os olhos e adormecer. Eram vontades indisciplinadas que trazia dentro de si, amantes do silêncio, do repouso da mente, apenas atingível durante as longas noites de solidão. Depois adormecia na alvorada. Certos dias sentia culpa, muito ténue e rapidamente esquecida, assim como tantas outras emoções, sensações, palavras. Bicho de hábitos estranhos, incoerentes talvez, mas o casulo era frágil, ou simplesmente o pensou , sonhou, e é agora a metamorfose.

Naquela manhã acordou com os primeiros raios de sol, ouviu música, riu-se e disse piadas. Viu o mar, o despertar da cidade, irrequieta, com pessoas a andar de um lado para o outro, como tinta que se espalha frenética numa tela suspensa. Uma única refeição para o resto do dia, os telefonemas desesperados por vozes conscientes, um reconforto, um pedido, um choro afagado.

Segundos, minutos, horas. A noção do tempo!

A noção do tempo que lhe passou na pele, e desse tempo ela apenas recordava a dor nos sonhos escassos e em todos os cantos da sua rotina. E como já passou tanto tempo, restava-lhe desejar a morte. Era o que ela lhe dizia, de olhar assustado, cansado. Também ele a olhava cansado, acendendo um cigarro que intervalava com pequenos goles na chávena quente de café, para depois inverter os papeis, porque não só a idade tem experiência na dor e ambos a sentiam, ainda que de maneiras diferentes. Resolveram esquecer o que motivara aquele encontro para se perderem nas memórias remotas de um tempo feliz.

O conceito de felicidade é tão ridículo como o seu agendar num calendário, decidindo quando se deve amar, sorrir, festejar ou até mesmo morrer. São apenas números com atributos impostos pelo meio envolvente, mau uso das palavras, mnemónicas para recordar as emoções que se julga ter provando apenas a sua ausência. Não precisava de dias marcados para ser feliz, até porque ser feliz e dizê-lo pelo mundo é bimbo, provando apenas o contrário.

Nessa noite dormiu profundamente, só voltando a acordar na noite seguinte…

terça-feira, fevereiro 10, 2009



Um estranho

Atravessas esta estranha memória
Com esse teu gesto distraído, silencioso:
Um suspiro de palavras despidas
Largadas como folhas de Outono…

Ainda te lembras do meu nome,
Este nome que ontem perdi,
Que ontem gentilmente ofereci
A um qualquer estranho?

Não era um qualquer estranho.
Dizia não ser um qualquer humano,
Era outra coisa qualquer
Que da vida não sabe o que quer;

Foi o que me disse sem palavras
Porque as palavras são esquecidas
Quando ditas sem valor,
Quando fingidas sem pudor…

sábado, fevereiro 07, 2009

Um pouco desse vinho

Respira fundo, dizia ela enquanto abria uma garrafa de vinho tinto, vais ver que as coisas vão mudar, talvez amanhã, não sei. A rolha a roçar no gargalo guinchava, apertada. Não te quero ouvir, não acredito em ti. Riu-se, enquanto o servia. Por que te ris? Bebeu um pouco e atirou o copo contra a parede. Parecia sangue a escorrer. Não me ouves?

Nunca o ouviu. Estava sempre ocupada a fazer coisas importantes, inadiáveis, não que fossem úteis, mas eram sem dúvida importantes. Ainda hoje está. Não fala com ninguém, apenas se ri. Também chora quando tem vontade.

A luz apaga-se e ela continua a rir. Volta a acender, a sala está vazia. Mas a parede branca continua manchada. As paredes deviam ser vermelhas, um vermelho quente como vinho tinto, como sangue, como as rosas daquele jardim onde ia tantas vezes.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009



O silêncio de uma vela acesa
Faz-me ter vontade de a beijar,
Beber um pouco do seu fogo,
Incendiar a mente…

Morde o lábio que treme em nervoso miudinho.
Chegou ao fim.

Morre o pavio
Num grosso fumo cinzento
E regressa à cidade
Onde espera por nada.

Silêncio.
O corpo dorme na tua ausência.

Deixa-me acordar sozinho,
Não me lembres que ambos existimos.
Deixa-me partir
E depois chegar.

quinta-feira, janeiro 29, 2009

Song: Wonderful - Everclear


CHIU!

É difícil escrever quando não se sabe quais as palavras que melhor descrevem a ideia que desperta a vontade de sair da cama, acender um cigarro, ligar o computador e bater nas teclas, à espera de uma atitude mais frenética.

Acordou cedo, com as ruas escuras e húmidas. Não conseguia dormir, a noite passara-a em branco, num sono leve em inconsciente alerta. Um duche quente, kiwi, sumo de laranja, café e sanduíche com imagens noticiosas, sempre trágicas. Beijava as manhãs de silêncio. Não falassem com ele porque tem mau acordar, diziam-lhe os amantes, sem a prática das palavras guardadas. Aquele momento era sagrado, um estranho hábito para alguns, mas as palavras tinham como ser ditas mais tarde, com tempo para respirar.

Mas as grandes cidades acordam prematuramente. As filas infindáveis, os olhares apagados ajudam à ausência de diálogos, mas há sempre alguém com coisas para dizer e o que eram as máquinas avança num suave murmúrio, sobrepõem-se os fados trágicos segredados num palco improvisado, as histórias de famílias anónimas em rivalidades soturnas, a tradição que puxa a mãozinha à anca robusta fazendo vibrar óperas nefastas. É necessário mencionar os rebentos?

Começa a chover e logo pára. Espera que algo aconteça, farta-se de esperar, nada acontece. Acende um cigarro. Apenas pessoas que se movem entre autocarros e buzinas enfurecidas. E ele ali, à espera de que algo acontecesse entre os ponteiros do relógio. Mas nada acontece.

Não há nada para acontecer, apenas se tiver de acontecer e nós não sabemos o que nos tem de acontecer, fingimos apenas ter algum conhecimento de causa enquanto olhamos para o relógio, para as nossas horas.

Inicia-se então a lenta marcha. Segue, aguardando a sua vez, responde a perguntas com monossílabos e mesmo assim parece de mais, muito mecanizado e de efeito prático. “Não mostre os dentes” dizia uma mulher ruiva de cabelo forte e olhar curioso e frenético, com os lábios compridos e carregados. Um único flash e assim são marcados os próximos anos. A identidade que se forçava unicamente por questões burocráticas. Julgava não existir e era ridículo possuir um cartão que insistia na contrária ilusão.

As pessoas dizem tantas coisas. Falam de mais, muito alto. Estou farto que me digam coisas e as pessoas estão sempre a dizer coisas. Até mesmo quando não são para mim. Fazem muitas vezes monólogos, divagam, logo quando quero que se calem. Há muito ruído.

Entregou-se ao arrastar das horas vagas, tempo a que não poderia fugir. Pelo menos sempre se ia perdendo em pequenas conversas e cumplicidades, entre emoções várias, ainda que as temesse tanto evitando prender-se. Até porque esquecer era a sua fragilidade. Não esquecia e agora também não tinha nada para esquecer. Esquecia apenas as coisas leves, aquelas que se constroem com meia dúzia de palavras e que não são mais do que materiais ou físicas. Tudo o resto não esquecia. Tinha uma boa memória que via como uma qualquer maldição, e não um dom.

Um dom é algo que nos faz sentir bem. Não esquecer obriga-nos a recordar, até as coisas que doem… Mas é relativa a importância de tudo isto. Até a dor é relativa.

segunda-feira, janeiro 19, 2009


Olhar que não sente

Porque me olhas nos olhos
Com esses olhos tão cheios de nada,
De expressão a derreter no olhar
Como pérolas de água salgada?

Faz-me procurar o néctar dos teus lábios
Serenos e ausentes no gosto.
Procuro-te neles, molhando-os com palavras
E gemidos afagados quando avassaladas,

Mas tu olhas-me sem me olhar,
Com esses teus olhos vadios, vazios
E apagas a luz para que não te veja,
Para que sinta não sentindo…

segunda-feira, janeiro 05, 2009



Consciência encoberta

Deito a cabeça na almofada
e conto as palavras do dia,
tão repetidas, tão cheias de medo.

E a contagem prossegue,
marcando o rosto adormecido,
diluindo o tempo em escassas horas,
em espasmos inconscientes:

envolve-se o corpo suado no lençol,
num rastejar latente à lua encoberta.
A respiração que se afasta,
o suspiro que se perde sombrio…

Odiosas palavras que ofereceu
o dia à (in)consciência de serem ditas!
Serão na verdade, verdade apenas?

Abro então os olhos
e vejo o tempo que me resta:
pouco. - Mais um cigarro que se acende…

sexta-feira, janeiro 02, 2009



Uma nova imagem, mensagem?


Sempre que doía, sentia aquela vontade ansiosa de fechar-me no meu próprio silêncio, num soluçar ridículo. Fechar-me no silêncio não é ridículo, mas agendar esse sepulcro, moldar-me na sua exclusividade, é. E depois chegou aquele momento em que o tempo perdido não era recuperável. Nunca é. Por alguma razão chamamos passado ao que já aconteceu e não ao que estávamos a fazer num preciso instante em que pensamos na questão. Decidi afastar as cortinas, deixar entrar alguma luz, abrir a janela e respirar. Respirar é sentir que se está vivo, e estar vivo é lidar com tudo o que essa árdua tarefa nos oferece, e como dizia a minha amiga de nome francês: “como aqueles chupa-chupas, amargos na cobertura, mas doces por dentro, com que nos deliciávamos em crianças”.

Agora quando dói, ocupo-me com o meu dia, arranjo um tempinho para os amigos, algo que me faça sorrir e se, no fim, ainda doer, mesmo antes de dormir, escondo-me só por um pequeno instante, e liberto-me nas palavras mordidas, no quente gosto salgado e num suspirar clandestino.


Este blog, que sempre foi um testemunho de tantos sonhos, palavras rasgadas, vontades e outros tantos suspiros, muda também a sua imagem. Tudo aquilo que sempre foi, mas com outras perspectivas e olhares.


É como que renascer
Com certeza de simplesmente ser
Sem ódios desmesurados,
Sem amores afortunados,
Somente a subtileza de um olhar
E uma estranha vontade de sonhar…