sábado, fevereiro 14, 2009



Bicho de hábitos

As manhãs eram sempre frias. Ouvia o murmurar do vento e as vozes da cidade para depois fechar os olhos e adormecer. Eram vontades indisciplinadas que trazia dentro de si, amantes do silêncio, do repouso da mente, apenas atingível durante as longas noites de solidão. Depois adormecia na alvorada. Certos dias sentia culpa, muito ténue e rapidamente esquecida, assim como tantas outras emoções, sensações, palavras. Bicho de hábitos estranhos, incoerentes talvez, mas o casulo era frágil, ou simplesmente o pensou , sonhou, e é agora a metamorfose.

Naquela manhã acordou com os primeiros raios de sol, ouviu música, riu-se e disse piadas. Viu o mar, o despertar da cidade, irrequieta, com pessoas a andar de um lado para o outro, como tinta que se espalha frenética numa tela suspensa. Uma única refeição para o resto do dia, os telefonemas desesperados por vozes conscientes, um reconforto, um pedido, um choro afagado.

Segundos, minutos, horas. A noção do tempo!

A noção do tempo que lhe passou na pele, e desse tempo ela apenas recordava a dor nos sonhos escassos e em todos os cantos da sua rotina. E como já passou tanto tempo, restava-lhe desejar a morte. Era o que ela lhe dizia, de olhar assustado, cansado. Também ele a olhava cansado, acendendo um cigarro que intervalava com pequenos goles na chávena quente de café, para depois inverter os papeis, porque não só a idade tem experiência na dor e ambos a sentiam, ainda que de maneiras diferentes. Resolveram esquecer o que motivara aquele encontro para se perderem nas memórias remotas de um tempo feliz.

O conceito de felicidade é tão ridículo como o seu agendar num calendário, decidindo quando se deve amar, sorrir, festejar ou até mesmo morrer. São apenas números com atributos impostos pelo meio envolvente, mau uso das palavras, mnemónicas para recordar as emoções que se julga ter provando apenas a sua ausência. Não precisava de dias marcados para ser feliz, até porque ser feliz e dizê-lo pelo mundo é bimbo, provando apenas o contrário.

Nessa noite dormiu profundamente, só voltando a acordar na noite seguinte…

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