segunda-feira, outubro 27, 2008



Pessoas


Colho da noite a ansiedade boémia que fermenta cá dentro. O corpo quer sentir o batimento cardíaco exterior. São centenas de faces diferentes, que se movimentam e riem, e bebem, e conversam, e divagam, e fazem coisas das quais não se orgulham na sobriedade do amanhecer tardio. E é neste antro nocturno que tenho a percepção de que me cruzei com muitas pessoas, pessoas de quem gosto muito, de quem simplesmente gosto, pessoas de ocasião, pessoas indiferentes, desinteressantes, pessoas que evito, pessoas que temo encontrar por uma questão de gestão emocional, pessoas que desconheço o nome, mas que fazem questão de recordar o meu, entre outras tantas pessoas. São muitas pessoas. Felizmente, haverá uma hora em que tudo isto deixa de ter importância, e apenas conta quem nos acompanha e aquela música que está a começar.

sábado, outubro 25, 2008



Ao encontro de um ciclo

O corpo é como pedra que arde,
Arde ao toque quente que rasga
Na pele - vontade de ser carne;

Mas é frio o olhar que se afasta,
Vazio e firme a fitar um universo
Que gela ao desprezo de quem passa;

Também se cheio de mel e malmequeres
É como que creme condensado:
Só se comem três míseras colheres;

Nunca de folhas perdidas e gastas,
Pois se a alma é de securas lamentações
Resta o vinho áspero de boas castas.

E porque não meias medidas,
Outras vontades e virtudes várias,
Coberta de aventuras vencidas?

sábado, outubro 18, 2008

[AIR AMV] Walkin' on Sunshine

I used to think maybe you love me, now baby I'm sure
And I just cant wait till the day, when you knock on my door
Now every time I go for the mail box, gotta hold myself down
'cause I just cant wait till you write me, you're coming around

[Chorus:]

I'm walking on sunshine (whoa oh)
I'm walking on sunshine (whoa oh)
I'm walking on sunshine (whoa oh)
And don't it feel good (HEY!) Alright now
And don't it feel good (HEY!) Alright now
All right now yeah! (HEY!)

I used to think maybe you love me, I know that it's true
And I don't wanna spend all of my life just waiting for you (just waiting for you)
Now I don't want you back for the weekend, not back for a day, no, no, no
Baby I just want you back and I want you to stay

[Chorus]

Walking on sunshine
Walking on sunshine

I feel the love, I feel the love, I feel the love that's really real
I feel the love, I feel the love, I feel the love that's really real

[Chorus till end]

quinta-feira, outubro 16, 2008


Pedra apenas

Desenhei uma flor
De pedra
E à ausência de cor
Chamei cinza.

As pedras não dormem
Como eu,
Também não sofrem,
Erosão apenas.

Serei eu pedra gravada
Com sangue humano?
Serei pedra largada
Num sentimento mundano?

São de ódio as pedras
Nunca de amor;
Abrem feridas e guerras
Como uma arma!

Uma pedra não se abraça,
Contorna-se;
Não tem beleza ou graça,
Não se vê…

terça-feira, outubro 14, 2008


Aquele momento

Rendeu-se o corpo à vontade insana
Da descoberta de histórias de gente humana,
Talvez colher dos sonhos o romance
Com muito pouca presunção triunfante.

Galopante majestade em fantasias
Provava de seu sangue amargas ironias
Com sombras de maquiavélico riso
Num coração amedrontado e indeciso.

E trouxe-lhe o Vento à luz da Lua cheia,
Junto ao Mar e ao encanto da sereia
A quem oferendas fez em troca de desejos;

A noite não deixou sentir os velhos receios,
Podendo corpo e mente voltar a unir
Aquele momento em que o vi sorrir…

domingo, outubro 12, 2008


Pequenas Constatações Temporais

O corpo jorrava fantasias e sonhos
E as estrelas gravadas nos seus olhos!

Foi o primeiro a nesta terra morrer:
Feito pó e merda num beco a ferver…

Quais asas de anjo - pato bravo!
Elegância de cisne na boca de um leopardo,
De alma vazia, sombria imagem;
Ninguém diria da fome ser selvagem.

E das princesas de rendas adornadas
Que riam e sorriam não serem desfloradas
Restou o corpete, a liga e o rouge
E da inocência uma prostituta que ruge.

O tempo escasseia - tic - tac - o relógio!
Só os mortos conhecem o signo “ócio”.

E eu, que não estando ainda morto,
Me considero cada vez mais louco.

quinta-feira, outubro 09, 2008

Aprende a aceitar as consequências
Das próprias livres escolhas
Ainda que o caos e breves tormentas
Te assustem quando as olhas.

Se livre sou de poder escolher,
De sentir aos encantos e desencantos,
Também saberei sonhos defender
Sem ruínas ou catastróficos prantos.

Mas o corpo é o rastilho inseguro
Numa alma inflamável e perigosa
Com memórias feitas de pólvora.

Desconheço as brumas do futuro
Mas faço das escolhas a minha fome
E dos sonhos o elixir que consome.



De olhos fechados e lábios cerrados

Quando fecho os olhos
Vejo uma seara de trigo
Coberta de um azul perfeito;
Quando fecho os olhos
Sinto a brisa e um sorriso
Do mais formoso gesto.

Se meus lábios cerrar
Poderei escutar as palavras
Que em mim trago escondidas;
Se meus lábios cerrar
Não se soltam raivas rasgadas
Pela mente sã oprimidas.

Quero fechar os olhos,
Quero cerrar os lábios:
Sucumbir de vontades e sonhos!
Quero provar o gosto da vida,
Quero provar o gosto da fantasia:
Ser à liberdade como por magia!

Quando fechar os olhos
Sonharei o mar antigo
E o cheiro do sal no corpo;
Quando fechar os olhos
Cuidarei o anjo ferido
Que diziam já ter morto.

De lábios cerrados
Mordo o que à mente escapa
E um grito será um murmúrio;
De lábios cerrados
Saboreio a paz escassa
Da fonte do bom pronuncio.

segunda-feira, outubro 06, 2008

Miragens Incompletas


Tenho gelo nas mãos e o fogo no corpo, mas nada sei do que é ser gente.


Sou o mar e o seu infinito;
A espuma salgada e quente:
Sede de me afundar inconsciente
Na gargalhada de ser menino.

Sou a Lua e o negro céu
Com pirilampos que pairam em fantasia
Sobre sonhos e memórias de um dia
Em que de medos se soltou o véu.

A flor queimada com lágrimas de fada
Num cenário de mármore frio
A arranhar a temperança da alma
Num túmulo abandonado e vazio.




Nada disto é ser gente. É qualquer coisa imaginada. O gelo derrete nas mãos e fere os dedos finos. Um dia serão enrugados e secos. O fogo vacila a sua chama sem ter por onde arder. Um dia gelará, perdendo-se na neblina da madrugada.


Cantaram deuses e ninfas embriagadas
Entre danças e desejos descuidados;
Esfomeados infortúnios, coisa pouca,
Deram vida a uma mente louca.

Embriagado de sonhos que a vida entoa,
Dança de olhos serrados e corpo suado
(quente e salgado, tanto que enjoa).




A música atenua os meus sentidos e o corpo estende-se no mar azul. Apetece sentir a areia fresca e o calor do Sol. Os cabelos molhados e o gosto salgado na pele e nos lábios.

BEIJA-ME!

O rádio a tocar, e o corpo balança na gravidade da Lua. Quero gargalhadas e gelados de caramelo e chocolate intenso; uma esplanada cheia, um pôr-do-sol e as estrelas.


Estou a dormir consciente:
O céu é púrpura que se move
E na mesma não sou gente,
Apenas um grito de fome;
Rasgos de infância criativa
Com lápis-de-arco-íris
E nuvens brancas numa folha…

…mas, por vezes, cinza apenas…


Agora quero repousar naquele mundo que inventei em tempos ingénuos. Quero nuvens de algodão, um Sol a sorrir, árvores mais altas que as casas (brancas, com telhados triangulares e vermelhos), flores de todas as cores e andorinhas a voar, vindas das montanhas




Tacteia-se no nervoso miudinho
A criatura medonha de expressão vazia
E num sorriso rasgado de histerismo
Não se reconhece sem a fantasia;

A chuva arranha a janela
E ela grita e rasteja pela casa
Com as paredes a derreterem
Na sua própria cara.


No fim são apenas miragens. Quase se tocam – cruzam-se em silêncios inconscientes com a verdade. Farão de mim gente? Apenas algo omnipresente. Aquela vontade de ser um e não dois para depois criar algo mais.

Em mim, nem as miragens se completam.

quarta-feira, outubro 01, 2008



A Velha Verdade

Reconheci a verdade num dia em que me perguntaram se estava de luto. Agora já não sei dormir.

Vesti-me de negro, um manto de noite.

Pausa para um cigarro molengão e aquela música que já não estranho. Mas o tempo não parou. Nunca pára, apesar da sua bipolaridade.

Penso que todos os olhos de todas as ruas me seguiam, ainda que num paço sempre rápido. Ignoro. Talvez não ignore, estou a mentir. Intriga-me terem tempo para seguir viagens alheias. Pobres que não sabem ler, e os que sabem não querem sujar as mãos de negro e cinza.

Agora preferem pólvora e sangue.

Já não estou habituado a sair de casa sem música constante. Não suporto o reboliço da cidade em hora de ponta, as conversas provincianas nas paragens e nos transportes públicos, as abordagens inoportunas, tudo.

A música oferece-me a exclusividade própria e cansa-me menos.

As pessoas cansam e são mesquinhas, odiosas numa elevada percentagem. Consumidas pelo tempo, odeiam a vida que construíram e praguejam a má sorte e o sucesso dos outros, que nunca lhes parece genuíno. Anseiam a tragédia e o crime passional a fermentar na calçada.

Desta vez, a verdade4 vestiu-se de homem velho, enrugado, com vestes debutadas e um boné que lhe escondia o olhar. Parou nas horas mortas e observou-me a alma:

Temos futuro doutor?

(Sorri) Não.

(Aproxima-se mais um pouco) E advogado? Tem ar de quem estuda direito.

(Estou cansado) Também não. Jornalismo”

(Ficámos frente a frente) Vai pela vocação. É jovem, mas não se deixe perder em sonhos fantásticos.

Depois ensinou-me o que sabia sobre fazer jornais e que, na verdade, já não restavam muitos jornalistas, apenas escritores furiosos, operários, ou operadores de escrita, ou uma elevada percentagem de gente frustrada no desemprego.

Sorriu para mim, escondeu os olhos profundos com a pala do boné e afastou-se, acenando de costas voltadas. Desejou-me boa sorte.

Desapareceu…

Há quem possa afirmar que era um pobre velho senil, ou que foi apenas um delírio meu. Não me importa a verdade dos outros. Que seja eu o louco se for mais fácil para alguns. Não foi sempre a loucura uma desculpa para o que é diferente?

Não quero ser a sombra dos outros… Quero apenas voltar a adormecer…