segunda-feira, outubro 06, 2008

Miragens Incompletas


Tenho gelo nas mãos e o fogo no corpo, mas nada sei do que é ser gente.


Sou o mar e o seu infinito;
A espuma salgada e quente:
Sede de me afundar inconsciente
Na gargalhada de ser menino.

Sou a Lua e o negro céu
Com pirilampos que pairam em fantasia
Sobre sonhos e memórias de um dia
Em que de medos se soltou o véu.

A flor queimada com lágrimas de fada
Num cenário de mármore frio
A arranhar a temperança da alma
Num túmulo abandonado e vazio.




Nada disto é ser gente. É qualquer coisa imaginada. O gelo derrete nas mãos e fere os dedos finos. Um dia serão enrugados e secos. O fogo vacila a sua chama sem ter por onde arder. Um dia gelará, perdendo-se na neblina da madrugada.


Cantaram deuses e ninfas embriagadas
Entre danças e desejos descuidados;
Esfomeados infortúnios, coisa pouca,
Deram vida a uma mente louca.

Embriagado de sonhos que a vida entoa,
Dança de olhos serrados e corpo suado
(quente e salgado, tanto que enjoa).




A música atenua os meus sentidos e o corpo estende-se no mar azul. Apetece sentir a areia fresca e o calor do Sol. Os cabelos molhados e o gosto salgado na pele e nos lábios.

BEIJA-ME!

O rádio a tocar, e o corpo balança na gravidade da Lua. Quero gargalhadas e gelados de caramelo e chocolate intenso; uma esplanada cheia, um pôr-do-sol e as estrelas.


Estou a dormir consciente:
O céu é púrpura que se move
E na mesma não sou gente,
Apenas um grito de fome;
Rasgos de infância criativa
Com lápis-de-arco-íris
E nuvens brancas numa folha…

…mas, por vezes, cinza apenas…


Agora quero repousar naquele mundo que inventei em tempos ingénuos. Quero nuvens de algodão, um Sol a sorrir, árvores mais altas que as casas (brancas, com telhados triangulares e vermelhos), flores de todas as cores e andorinhas a voar, vindas das montanhas




Tacteia-se no nervoso miudinho
A criatura medonha de expressão vazia
E num sorriso rasgado de histerismo
Não se reconhece sem a fantasia;

A chuva arranha a janela
E ela grita e rasteja pela casa
Com as paredes a derreterem
Na sua própria cara.


No fim são apenas miragens. Quase se tocam – cruzam-se em silêncios inconscientes com a verdade. Farão de mim gente? Apenas algo omnipresente. Aquela vontade de ser um e não dois para depois criar algo mais.

Em mim, nem as miragens se completam.

1 comentário:

Inês Bexiga disse...

Eu sei o que te leva a ter essas miragens =D

Está muito bom! =)

Bjs****