domingo, abril 27, 2008


Loucura do tempo

O tempo flúi
Em mim que espero
Que aguardo em silêncio

Olho os ponteiros
Troçam de mim
Riem e bocejam

O tempo flúi
Não para ti
Que não o sentes

Eu sinto
Penso que sinto
Inconstante movimento
Ardor ou desespero

Enlouqueci?
Chega!
Dói-me a cabeça…

Tenho sede
Tanta que posso matar
Não posso – sou cobarde

Esquece-me no tempo
Num sorriso apagado
Aquele que morreu

Enquanto o tempo flúi…

domingo, abril 20, 2008

A Flor Maìs Grande do Mundo (José Saramago)

“E se as histórias para crianças fossem
De leitura obrigatória para os adultos?

Seríamos realmente capazes de aprender
Aquilo que há tanto tempo ensinamos?”

José Saramago


Se, como as crianças, tivéssemos aquela sensibilidade ingénua de não complicar as palavras que dizemos, talvez vivêssemos com mais entusiasmo, aprendendo a olhar para o Mundo que sempre ali esteve, ignorado pelos nossos olhos cinzentos.

quinta-feira, abril 17, 2008


Amnésia

Porque te espero distante de mim,
Água que flúis efémera
Insana no meu pensamento?
Dar-me-ás o começo ou o fim?
O Inverno ou a Primavera?
Debilidade ou alento?

És o veneno que me adoça os lábios
Tomando conta deste corpo
Que percorres maliciosamente
Com teus encantos vários,
Os quais em loucura sorvo
Num prazer de carne ardente!

A eloquência é para os pensadores
E o amor nunca foi racional.
Tomas-me do peito o coração,
Exaltas e afagas as dores
Dizendo não ser intencional
Enquanto o seguras na mão.

Este farrapo que abandonas,
Amnésico da sua essência,
Ainda sente o decorrer do tempo,
Deixando-se engolir pelas ondas;
Ser ausente na existência
De um sonho perdido no vento.

quarta-feira, abril 16, 2008


O Dragão e a Lebre

V

Durante a viagem até à fronteira da Floresta Proibida mantiveram-se em silêncio. As palavras proferidas pelo sábio Mocho inundavam-lhes os pensamentos, criando dúvidas que erguiam entraves à sua aproximação. O Dragão temia pela segurança da Lebre. Também a confiança que esta depositara nele poderia vir a desvanecer-se. Provavelmente não voltaria a olhá-lo da mesma forma, deixando-se consumir pelo seu próprio medo primitivo, aquele instinto de sobrevivência tão comum nas da sua espécie. Notara a exitação sentida ao subir para o seu dorso, o que mostrava um certo enfraquecimento nos laços estabelecidos e na cumplicidade existente entre ambos. A Lebre olhava para as nuvens que escondiam o cume de uma montanha distante, debatendo-se perante a tensão de um segredo por descobrir. A sua natural curiosidade comprometia a sua própria vontade. Os avisos do Mocho tinham a sua razão de ser, mas não conseguia consentir que o medo e a cobardia vencessem, não desta vez. Era-lhes ocultada a verdade e sentia-se no direito de desvendar este mistério. Poderia arriscar voltar à clareira da Grande Árvore durante a noite, mas teria de aguardar pela próxima Lua cheia, só assim se sentiria minimamente segura. Mas não podia esperar tanto tempo. Constatou que se aproximavam da fronteira. Tinha de falar com o Dragão. Também ele era a chave de tudo.
O Dragão deixou que a Lebre descesse do seu dorso. Provavelmente será a despedida, pensava para consigo mesmo. E quando se dirigia à Lebre:
- Temos de nos encontrar esta noite. – disse a Lebre num tom decidido. – É imperativo tentar entender as palavras do Mocho e descobrir a verdade.
Estupefacto pela reacção da Lebre, o Dragão apenas acenou afirmativamente, sugerindo que se encontrassem no Vale das Estrelas.
Despediram-se e seguiram os seus caminhos de regresso, ansiando o reencontro nocturno.

segunda-feira, abril 14, 2008

"Only Time" [Enya] - Sailor Moon SuperS (ChibiUsa and Helios)

Apenas o tempo nos entrega as respostas. Por vezes, outras perguntas que enfrentamos no silêncio de uma noite sem Lua.
Aos sonhos, fantasias de criança, abraço-me na minha eterna razão de ser. Contudo não me lembro de quem sou.
Quem sabe? "Apenas o tempo..."

domingo, abril 13, 2008


O Dragão e a Lebre

IV

Já conseguiam avistar a clareira da Floresta Proibida, onde se encontrava a Grande Árvore. O passeio chegara ao fim. Assim que o Dragão pousou no solo, baixou-se para que a Lebre pudesse descer. Silenciosamente avançaram até à Grande Árvore. As suas raízes ocupavam quase toda a clareira e o seu tronco era largo, enrugado pelo temo que já esquecera o seu nascimento. No centro, uma grande fenda. Era nela que vivia o sábio Mocho. Tanto o Dragão como a Lebre fecharam os olhos, curvando-se como se fizessem uma vénia:
- Sábio Mocho, dá-nos os teus ensinamentos ancestrais. – pediram em coro.
Da fenda dois olhos amarelos inundavam a escuridão fantasmagórica, surgindo o velho Mocho. Olhou-os em silêncio por breves instantes.
- Um dragão e uma lebre, o predador e a presa. – afirmou, soltando um pequeno riso. – Contudo deixam-se envolver na cumplicidade de sonharem da mesma forma. E sonham. Partilham o que sonham. Talvez de um próprio segredo que voz condena sem sequer saberem.
A Lebre e o Dragão olharam um para o outro confusos, voltando-se novamente para o Mocho. Com uma séria expressão, continuou o seu discurso:
- Se não temes este dragão, Lebre, deverás temer os outros, seus irmãos. O confronto terá início antes de se descobrirem. E tu, Dragão, entregas-te a um ser menor. Tornar-te-ás renegado, e a morte é um elogio para aqueles que corrompem a aliança…
- Os riscos que corro são medidos por mim. – interrompeu o Dragão.
- Certamente. Mas e os riscos submetidos à Lebre, quem os mede? – perguntou o Mocho.
- A morte é um começo para quem sonha e a Lua protege-me. – ripostou a Lebre. – Mas diz-me, que segredo se esconde na nossa existência e que partilhamos como os sonhos?
- Lebre atrevida! – advertiu o Mocho. – Não deverias querer saber tanto, nem mesmo fiar-te em deuses ancestrais. O segredo ser-vos-á revelado por vós próprios. O tempo corre, as areias continuam a mover-se e cada grão deverá manter o seu ritmo, ou o mundo perderia a sua estabilidade. Ainda que partilhem sonhos, não deverão esquecer os vossos primórdios princípios. Tu Dragão, abençoado pelo Sol. O fogo consome a tua existência. Não deixes que te consuma a alma. Lebre, abençoada pela lua. As trevas envolvem-te e os sonhos enchem-te de paz. Não te percas nas sombras. Sigam os vossos desejos, pois chegaram tão determinados que as minhas palavras perdem-se na pouca vontade de serem ouvidas.
Dito isto, voltou para dentro da fenda, deixando a Lebre e o Dragão serem envolvidos pelo silêncio. Olharam um para o outro. O Dragão baixou-se para que a lebre pudesse subir novamente para o seu dorso. Esta exitou, mas subiu. Em breve iria anoitecer. Tinham de regressar. Abandonaram a clareira, carregados de dúvidas, deixando para trás a Grande Árvore.
Momentos depois o Mocho voltou a sair da fenda olhando para baixo:
- Em breve irão descobrir a verdade. É uma questão de tempo. Se não mostrares dignidade, serei eu a revelar a sua cegueira, aquela criada por ti.
- Mas que atrevimento, sábio mocho! – ripostou uma voz vinda das sombras. – Esqueces-te de quem sou e daquilo que posso fazer?
- O medo que crias nos outros não surte o mesmo efeito em mim. A idade ensinou-me que este apenas nos consome. Respeito-te, mas não permitirei que quebres sonhos em nome do destino. Deixa-os criar o seu próprio.
Um riso inundou a clareira e da sombra apenas se conseguiam visualizar dois olhos verdes como duas grandes esmeraldas.
- Toma cuidado, sábio Mocho. Não me faças prescindir da tua existência.
E, com uma gargalhada sonora, desapareceu na escuridão da negra Floresta Proibida.
- Que não percam os vossos sonhos. – desejou o mocho, voltando para a solidão da sua fenda.

sábado, abril 12, 2008


O Dragão e a Lebre

III

Os raios de Sol começaram a surgir por entre as nuvens que se iam extinguindo pouco a pouco, aquecendo e iluminando a terra molhada. O Dragão levantou as suas asas para que a lebre sentisse a mudança do tempo. E, pela primeira vez, esta pôde vê-lo à luz do dia, iluminado pelo Sol. As grossas escamas que o preenchiam, desde o crânio até ao fim da cauda, ainda molhadas, misturavam todas as cores de um arco-íris, dançando entre si. Já o ventre, despido e vulnerável, apresentava uma cor suave como pérola, assim como as suas grandes asas de morcego. O pequeno coração da Lebre palpitava velozmente ao admirar a beleza do imenso Dragão e, se a sua pele não estivesse coberta pelo suave pelo, branco como a neve, tê-la-íamos visto corar. Os seus olhos cinza cruzaram-se com os azuis do Dragão e, atrapalhada, desviou o olhar. Gerou-se um breve silêncio que os comprometia. Também o Dragão a olhava enternecido.
- Que fazias por aqui? – questionou a Lebre para aliviar a estranha tenção que os envolvia.
- Dirigia-me para a Grande Árvore, a fim de escutar os sábios ensinamentos do velho Mocho. – esclareceu o Dragão. – Enquanto sobrevoava o vale, ao longo da fronteira da Floresta Proibida, vi-te e apercebi-me do perigo que corrias.
- Obrigado. – agradeceu a lebre evitando os olhos do Dragão. – Não sei como te poderei compensar por me teres salvo.
- Gostarias de me acompanhar até à Grande Árvore? – propôs. A Lebre corou novamente e acenou afirmativamente:
- Sim.
- Sobe então para o meu dorso. A Grande Árvore encontra-se no centro da Floresta Proibida. Seria perigoso atravessares a floresta. Assim sobrevoamo-la juntos.
- Tens a certeza?
- Sim. E descansa, é seguro. Não farei movimentos bruscos. – prometeu o Dragão, baixando-se para que a Lebre pudesse subir para o seu dorso. Timidamente, a Lebre subiu, sentindo o calor confortável que este emitia. O Dragão bateu as suas grandes asas, elevando-se para o céu. Com o impacto, a Lebre soltou um pequeno gemido e fechou os olhos com força:
- Não tenhas medo. Abre os olhos e olha à tua volta. – sugeriu o Dragão para a tranquilizar. Ao abrir os olhos ficou admirada com o que observava. Todo o vale, a floresta e o rio iluminados pelo Sol, como que pousassem para uma tela pintada com tons vivos de aguarelas simples e variadas. As flores silvestres envolviam o verde, tocadas por uma suave brisa que as fazia balançar suavemente. O olhar da Lebre perdia-se em tanta diversidade e no esvoaçar ingénuo das borboletas. Ao longe, o rio, parecia coberto de pequenos cristais reluzentes. Sugerindo um pequeno desvio, o Dragão dirigiu-se para o rio, num voou suave e rente ás suas águas límpidas.
Alguém os observava na margem do rio, escondido na sombra de um salgueiro-chorão. Olhava atento para o Dragão e a Lebre e para os seus reflexos nas águas do rio. Não viam eles a verdade reflectida pelos seus olhos verde-esmeralda. Apenas sorriam, cúmplices do seu próprio destino.

quarta-feira, abril 09, 2008


O Dragão e a Lebre

II
Sentiu o dia aproximar-se com um pronuncio tempestuoso. Não conseguira dormir, sempre que fechava os olhos na tentativa de uma viagem pelos seus mais vastos sonhos eram os olhos do misterioso Dragão que lhe inundavam a mente e a alma. Contudo, e apesar do cansaço físico, as tarefas habituais não a deixariam manter-se pensativa por muito tempo, até porque se tinha de apressar, não fossem as condições atmosféricas agravarem-se.
Saiu da toca, como todas as manhãs, em busca de um pouco de ar e mantimentos. O vento era forte, mas não se podia dar por vencida. Sabia que iria encontrar o que precisava na fronteira da Floresta Proibida. Apesar do medo que sentia, era o único sítio que lhe ocorrera onde poder-se-ia servir do que necessitasse para a sua humilde sobrevivência. A solidão criara-lhe o mau hábito de realizar monólogos em silêncio, que se traduziam por sons ou pequenos gemidos sempre que um obstáculo surgia. Conversava sobre si para si, na expectativa de encontrar respostas para as perguntas incertas que a intrigavam. Neste dia, em especial, era assaltada com questões referentes ao acontecimento da noite anterior, no Vale das Estrelas. Conhecera um Dragão que a fizera sentir um misto de medo e curiosidade. Nunca antes tinha estado tão perto de um, apenas ouvira histórias sinistras dos comportamentos e hábitos carniceiros que estes exerciam antes de consumirem as suas presas. Mas este era diferente, tinha um olhar doce. Era como se todo ele se tivesse tornado num sonho.
Finalmente chegara ao seu destino. Era essencial limpar a sua mente de todas essas imagens e pensamentos para que se pudesse concentrar e recolher mantimentos o mais depressa possível. Era uma zona insegura. Nunca gostara de fronteiras pois não eram nem deixavam de ser. E por momentos desejava encontrar novamente o Dragão, ser surpreendida pelo seu olhar. O vento ficou mais forte fazendo-a voltar à realidade. Apressou-se e iniciou o regresso. O temporal atrasava-a, dificultando-lhe a visão. Os deuses deviam estar mesmo descontentes. Pressentiu ao ver as árvores distantes curvarem-se que, em breve, chegaria até sim uma corrente de ar tão forte que certamente a derrubaria. Era o fim. O medo contaminou-a, fazendo-a fechar os olhos com força e enrolar-se sobre si mesma. Aproximava-se velozmente, conseguia senti-la. Soltaram-se as lágrimas da despedida, como pérolas que se perdiam na imensidão do tempo. Até que algo a envolveu e o estranho calor que sentia perto do seu corpo fê-la abrir os olhos novamente. Não podia acreditar, era o Dragão que a envolvia com as suas longas asas protegendo-a da tempestade.
- Não temas, nada de mal te vai acontecer. – prometeu o Dragão.
- Mas porque me ajudas? – perguntou a Lebre, confusa.
- Os sonhos são eternos e a tua existência tem a sua razão de ser. – e olhou-a com os seus grandes olhos, com uma terna expressão.
E permaneceram, silenciosamente, olhando um para os olhos do outro, aguardando o cessar da tormenta.

terça-feira, abril 08, 2008

Ah! Megamisama Rainbow

O desejo que hoje consumo
Não é mais que a ânsia de sonhar
Partilhar parte de um todo
Parte de mim, parte de ti

Uma mão estendida
Que seguro para não me perder
Porque as sombras são densas
E a luz trouxe-me a Lua

Dorme anjo perdido
Para que te encontres
Não neste Mundo que habitas
Mas na fantasia de um olhar

Doce com toque de ceda
A minha pele anseia-te
E os meus lábios pedem mais
Desse teu néctar floral

Um sonho que atravessa a ponte
Cresce e aquece a alma
Parte de mim, parte de ti
Um todo de magia

segunda-feira, abril 07, 2008


O Dragão e a Lebre

- I -

Naquela noite a Lua fê-la sair da sua toca. Sempre gostara de a apreciar, de se ver envolvida pela sua luz, mas o medo dos predadores obrigavam-na a refugiar-se. Mas desta vez não conseguiu resistir e dirigiu-se para onde a pudesse observar melhor. Ao chegar ao Vale da Estrelas, deixou-se ficar, entre flores silvestres que se movimentavam ao sabor da suave brisa primaveril, libertando doces fragrâncias. Cedeu então ao brilho majestoso, perdendo-se na imensidão dos seus humildes sonhos.
Foi então que um vulto fez despertar os seus sentidos. Olhou para traz e a visão oferecida pelos seus olhos fê-la paralisar. Estava diante de um Dragão. Este olhava-a silenciosamente sem qualquer movimento que não a sua respiração. Por breves momentos, ficaram parados, olhando um para o outro: a Lebre porque receava pela sua segurança e o Dragão pela curiosidade. Ao ver que assustava a Lebre, voltou-se para a Lua, contemplando-a. “É o momento ideal para fugir”, pensou a lebre, mas não o conseguiu fazer. Intrigava-a a estranha paz do Dragão e os seus olhos de sonhador. Deixou-se ficar também.
- Porque estás aqui? – perguntou o Dragão, fazendo a Lebre tremer novamente.
- Vim observar a Lua, que há tanto tempo não o fazia. Faz-me sonhar! E tu?
- Também tenho o mesmo gosto, de sonhar incessantemente, sempre na ânsia de querer mais.
- Não me vais fazer mal?
- Descansa, enquanto aqui estiver poderás apreciar o momento que tanto ansiavas. Não temas por mim, mas pelos outros.
Fez-se novamente silêncio. Apenas as melodias nocturnas os envolviam. E desejaram que assim fosse, por mais um pouco.
Antecipadamente, a lembrança da sua segurança fez com que a Lebre sentisse a necessidade de se apressar. Despediu-se do Dragão, prometendo voltar no dia seguinte. O Dragão sorriu docemente, vendo a Lebre afastar-se. Talvez assim fosse o destino. Nunca se sabe o que a magia de um sonho pode trazer. E melhor que sonhar, é partilhar os mesmos.

sexta-feira, abril 04, 2008


Se a porta se abrir
Não deixes encerrar o sonho
Nem me digas que foi ontem
E que hoje já é tarde

Abre a janela do Sol
E deixa a brisa entrar
Com pétalas de faz de conta
E um sorriso tímido
Respira a vida
Faz de ti sonhador

Quando faltarem as ternuras
Que o habito velho deixou
Cria uma história
Feliz como as outras
Mas só tua

E se não chegar ao coração
Vive a primavera
A cor das flores simples
E seus doces perfumes
Dias

Sempre soubera que o despertar seria o começo para um dia que não queria certamente ter, mas como as surpresas existem, arriscava sempre, até porque as obrigações a que se tinha comprometido assim o exigiam. Ainda de olhos cerrados e com o cérebro embrutecido pelas escassas horas de sono, desligava aquele velho despertador que emitia um som que não inspirava boas vontades. Achava arrepiante aquela invenção. Como poderiam as pessoas sujeitarem-se a estranhos instrumentos, distribuidores do chamado “mau humor matinal”. Até ele se tinha deixado consumir por esse hábito. Era o que as grandes cidades e a competição excessiva traziam, mau humor e noites mal dormidas. Estúpidas regras e putas daquelas que as tinham feito, ou cabrões se forem homens, pensava. E então arrastava-se pelo quarto, procurando num monte de roupa aquela que iria vestir, com a preocupação de não fugir a um estilo que ele próprio tinha traçado.
O primeiro contacto que tinha com o corpo era aquele arrepio provocado pela água quente do duche. Era também o primeiro, e talvez o único, prazer do dia. Sentir-se embebido na transparência e nos odores perfumados com que envolvia o corpo magro e sem linhas definidas. Dedicava sempre dois ou três minutos para ficar simplesmente debaixo do chuveiro e sentir os ombros serem massajados por um ser inexistente. Chegava a sentir-se apetecido, até ao momento em que lhe vinha a preocupação de desligar a água, limpar-se e vestir-se, com aquele pensamento irritante de “vou chegar atrasado”.
Depois saía, ao som de uma música qualquer escolhida na véspera que o fazia sentir-se mais animado que o ruído urbano. Já lhe bastavam os odores dos tubos de escape que arrotavam nuvens de fumo negro e os encontrões de gente mal educada, confinada à pressa de serem bactérias sociais.
E era sempre tudo igual, visto à transparência de não ser vidente e de não possuir uma bola de cristal bem polida. Cansava-o mais a semelhança dos dias que as tarefas dos mesmos. Mas talvez fosse diferente amanhã e sentia o desejo de lutar para concretizar essa mesma vontade. Ser cinzento como os outros com que se cruzava na rua não era propriamente algo que o iria fazer sentir-se concretizado, até porque já bastavam as construções que se debruçavam sobre si, na ameaça de ruir só pelo gozo de fazer correr mais um pouco de sangue que pudesse fervilhar na calçada suja pelos mendigos e engravatados, abrindo manchetes de jornais gratuitos e pagos, sempre com o sensacionalismo de criar aquela estranha felicidade de ter acontecido ao outro e ser tema de conversa por dois ou três dias, até algo mais entusiástico suceder.
Metade do dia era dedicado a ouvir ensinamentos pré concebidos e a registá-los para mais tarde os saber vomitar para uma folha qualquer para que alguém avaliasse todas as partículas, na ânsia de encontrar algo mais criativo para rasurar ou a ausência da palavra que ditara na oitava oração e que escapara ao aluno desatento. O que lhe valia eram os sorrisos dos colegas que adoptara e que o tinham adoptado, em cumplicidade de terem sonhos semelhantes e aventuras a partilhar, entre almoços no bar da faculdade ou num pita shoarma ou, em dias de Sol, por jardins verdes, com direito a sessões fotográficas ou leituras jornalísticas, de phones nas orelhas e comentários oportunos. A outra metade era a tensão laboral de cumprir um objectivo traçado pela sorte, adormecido na ausência do raciocínio intelectual ou algo mais prático. Era uma máquina ligada a um telefone e a um computador obsoletos, numa grande empresa, como sempre são, independentemente das condições que oferecem. Pensando bem, as condições eram melhores que as das crianças de um país subdesenvolvido qualquer, que cosem bolas de futebol e ténis, que mais tarde serão calçados por meninos endinheirados e consumidos pela necessidade da moda, para que possam ter direito a uma malga de arroz mal servida. E nós por cá, sub nutridos de inteligência.
É já na véspera de um novo dia que se tranca no seu pequeno quarto, percorrendo a consciência de não ser infeliz, mas de também não poder afirmar que é feliz. Embrenha-se na sua estranha vontade de ser algo mais e de partilhar a sua existência num terno abraço e num beijo apaixonado. Romantismos à parte, deseja que o sono chegue e, enquanto se faz difícil, troca palavras que cria e recria, muitas vezes na ansiedade de serem ouvidas.

quinta-feira, abril 03, 2008

KOKIA - Ai no Melody AMV (Various Anime)

anata marude komorebi no you ni
watashi ni ikiru kibou kureta shiawase ga waratta

kioku no naka no nukumori mune ni
nani yori mo tsuyoi kizuna wo kanjite iru wa

watashi ga watashi rashiku irareru no wa anata ga iru kara

*1 anata wo ai shite umareta uta wo utaou
watashi no ai no akashi ni
shinjite doko made mo todoke watashi no omoi
anata ga ikite iru koto ga shinjitsu

*2 itooshikute ureshikute kanashikute setsunakute
kuyashikute modokashikute... ai no MERODI-

karamiatta kokoro no ito wo
tokihogusu mae ni wakareta tsurakutemo nozonda

"kono ai wo tsuranukou" hitorigoto no you ni
‰i‹v(towa) ni chikai wo tateru

itooshisa ni tsutsumareru MERODI- maiagare sora ni

sono “µ(me) ni mienai taisetsu na mono wo miseyou
afureru ai no izumi ni
omoi wa doko made mo fukaku toki wo koetemo
ikite yukeru sore ga watashi no ai no uta

mmm fureru hada wo toiki ga nozoru
"nee mou nechatta no?" sore nara mimimoto de "I love you"

*1 repeat

sono “µ(me) ni mienai taisetsu na mono wo miseyou
afureru ai no izumi ni
anata to deatte nagaredashita kono MERODI-
furuete iru ima kono toki mo ikiteru

*2 repeat 2x

terça-feira, abril 01, 2008

No silêncio de uma noite solitária
O silêncio fê-lo sentir que já a luz se recolhera, abraçada pelas sombras irrequietas a que chamam noite. Não era mais ninguém e não queria ser. Ser-se assim, na simplicidade das palavras que ditava para o vazio, em pausas para um cigarro mal aceso. A invisibilidade da existência que traçara aos olhos da mente alheia não o admirava. Não era mais que aquele vulto incómodo, que caminhava, errante, pela cidade triste quando o tempo o permitia. Na verdade não era a cidade que era triste, pelo menos em dias de Sol, em que a capital mostrava os seus pequenos encantos, numa magia viciante e alucinogénia por vezes, num miradouro com vista panorâmica para um Tejo adormecido pelo canto das Tágides.
Era jovem e a forma como encarava as emoções arrepiavam-no. Sempre aquela busca incessante por uma parte que o completasse e, apesar de tudo, não a encontrara. Talvez não existisse ou se fizesse modesta. E essa solidão afastava-o por uma porta aberta para a imensidão de um sonho que se fizera desde que descobrira o significado da palavra amar. Eram todas aquelas estrelas que o olhavam quando se deitava na areia humedecida pela noite, enquanto o mar rugia e a lua o escutava, que o faziam inundar-se de sonhos e fantasias como parte da sua própria existência, humilde.
Sentia frio, frio de um toque que insistia em não chegar, em não o envolver em ternuras eternas do que é o presente, sem passado ou futuro, porque o primeiro cheira a mofo e o segundo só o fazia pensar de mais. Mas para que não me perca, o abraço faz-se tardio e o sufoco de um beijo profundo agonia-o por não existir.
Embrulhado numa manta, relembra o Verão com o gosto salgado da pele quente e aqueles mergulhos na rebentação das ondas. E sorri, com a imagem daquele sorriso de gargalhada contida, porque era tímido de mais para dizer que era feliz. E mesmo quando fazia um beicinho de descontentamento, o pequeno coração palpitava de desejo que tudo aquilo acabasse para se poder deliciar com o calor do Sol numa toalha amarela e ler-lhe aquelas notícias que mais ninguém queria ouvir, com a preocupação de não lhe falarem as palavras que os outros haviam escrito com tanto empenho, ou talvez nenhum, o que não era importante, porque importante era o momento em que as lia em voz alta.
Mas voltando agora à fria noite de primavera, tudo o resto são pequenas histórias que guarda em si ternamente, porque não aprendeu a odiar. Uns diziam-lhe que era mau, outros que era bom de mais. Já não se confundia, sabia que não podia ser do bom gosto de todas as bocas, apenas daquelas que realmente lhe interessavam.