quarta-feira, abril 09, 2008


O Dragão e a Lebre

II
Sentiu o dia aproximar-se com um pronuncio tempestuoso. Não conseguira dormir, sempre que fechava os olhos na tentativa de uma viagem pelos seus mais vastos sonhos eram os olhos do misterioso Dragão que lhe inundavam a mente e a alma. Contudo, e apesar do cansaço físico, as tarefas habituais não a deixariam manter-se pensativa por muito tempo, até porque se tinha de apressar, não fossem as condições atmosféricas agravarem-se.
Saiu da toca, como todas as manhãs, em busca de um pouco de ar e mantimentos. O vento era forte, mas não se podia dar por vencida. Sabia que iria encontrar o que precisava na fronteira da Floresta Proibida. Apesar do medo que sentia, era o único sítio que lhe ocorrera onde poder-se-ia servir do que necessitasse para a sua humilde sobrevivência. A solidão criara-lhe o mau hábito de realizar monólogos em silêncio, que se traduziam por sons ou pequenos gemidos sempre que um obstáculo surgia. Conversava sobre si para si, na expectativa de encontrar respostas para as perguntas incertas que a intrigavam. Neste dia, em especial, era assaltada com questões referentes ao acontecimento da noite anterior, no Vale das Estrelas. Conhecera um Dragão que a fizera sentir um misto de medo e curiosidade. Nunca antes tinha estado tão perto de um, apenas ouvira histórias sinistras dos comportamentos e hábitos carniceiros que estes exerciam antes de consumirem as suas presas. Mas este era diferente, tinha um olhar doce. Era como se todo ele se tivesse tornado num sonho.
Finalmente chegara ao seu destino. Era essencial limpar a sua mente de todas essas imagens e pensamentos para que se pudesse concentrar e recolher mantimentos o mais depressa possível. Era uma zona insegura. Nunca gostara de fronteiras pois não eram nem deixavam de ser. E por momentos desejava encontrar novamente o Dragão, ser surpreendida pelo seu olhar. O vento ficou mais forte fazendo-a voltar à realidade. Apressou-se e iniciou o regresso. O temporal atrasava-a, dificultando-lhe a visão. Os deuses deviam estar mesmo descontentes. Pressentiu ao ver as árvores distantes curvarem-se que, em breve, chegaria até sim uma corrente de ar tão forte que certamente a derrubaria. Era o fim. O medo contaminou-a, fazendo-a fechar os olhos com força e enrolar-se sobre si mesma. Aproximava-se velozmente, conseguia senti-la. Soltaram-se as lágrimas da despedida, como pérolas que se perdiam na imensidão do tempo. Até que algo a envolveu e o estranho calor que sentia perto do seu corpo fê-la abrir os olhos novamente. Não podia acreditar, era o Dragão que a envolvia com as suas longas asas protegendo-a da tempestade.
- Não temas, nada de mal te vai acontecer. – prometeu o Dragão.
- Mas porque me ajudas? – perguntou a Lebre, confusa.
- Os sonhos são eternos e a tua existência tem a sua razão de ser. – e olhou-a com os seus grandes olhos, com uma terna expressão.
E permaneceram, silenciosamente, olhando um para os olhos do outro, aguardando o cessar da tormenta.

1 comentário:

Óhraesisstrákur disse...

Nenhuma rajada furiosa consegue penetrar no abrigo de um sonho partilhado, de um momento suspenso no tempo, em que somos um só.