terça-feira, abril 01, 2008

No silêncio de uma noite solitária
O silêncio fê-lo sentir que já a luz se recolhera, abraçada pelas sombras irrequietas a que chamam noite. Não era mais ninguém e não queria ser. Ser-se assim, na simplicidade das palavras que ditava para o vazio, em pausas para um cigarro mal aceso. A invisibilidade da existência que traçara aos olhos da mente alheia não o admirava. Não era mais que aquele vulto incómodo, que caminhava, errante, pela cidade triste quando o tempo o permitia. Na verdade não era a cidade que era triste, pelo menos em dias de Sol, em que a capital mostrava os seus pequenos encantos, numa magia viciante e alucinogénia por vezes, num miradouro com vista panorâmica para um Tejo adormecido pelo canto das Tágides.
Era jovem e a forma como encarava as emoções arrepiavam-no. Sempre aquela busca incessante por uma parte que o completasse e, apesar de tudo, não a encontrara. Talvez não existisse ou se fizesse modesta. E essa solidão afastava-o por uma porta aberta para a imensidão de um sonho que se fizera desde que descobrira o significado da palavra amar. Eram todas aquelas estrelas que o olhavam quando se deitava na areia humedecida pela noite, enquanto o mar rugia e a lua o escutava, que o faziam inundar-se de sonhos e fantasias como parte da sua própria existência, humilde.
Sentia frio, frio de um toque que insistia em não chegar, em não o envolver em ternuras eternas do que é o presente, sem passado ou futuro, porque o primeiro cheira a mofo e o segundo só o fazia pensar de mais. Mas para que não me perca, o abraço faz-se tardio e o sufoco de um beijo profundo agonia-o por não existir.
Embrulhado numa manta, relembra o Verão com o gosto salgado da pele quente e aqueles mergulhos na rebentação das ondas. E sorri, com a imagem daquele sorriso de gargalhada contida, porque era tímido de mais para dizer que era feliz. E mesmo quando fazia um beicinho de descontentamento, o pequeno coração palpitava de desejo que tudo aquilo acabasse para se poder deliciar com o calor do Sol numa toalha amarela e ler-lhe aquelas notícias que mais ninguém queria ouvir, com a preocupação de não lhe falarem as palavras que os outros haviam escrito com tanto empenho, ou talvez nenhum, o que não era importante, porque importante era o momento em que as lia em voz alta.
Mas voltando agora à fria noite de primavera, tudo o resto são pequenas histórias que guarda em si ternamente, porque não aprendeu a odiar. Uns diziam-lhe que era mau, outros que era bom de mais. Já não se confundia, sabia que não podia ser do bom gosto de todas as bocas, apenas daquelas que realmente lhe interessavam.

1 comentário:

Inês Bexiga disse...

Pelo que vejo andas mais virado para a escrita prosaica ultimamente... Mas tens-te saído muito bem =)
Também gostei muito deste texto, tal como dos outros que já li =D

Beijinho grande! ****