domingo, abril 13, 2008


O Dragão e a Lebre

IV

Já conseguiam avistar a clareira da Floresta Proibida, onde se encontrava a Grande Árvore. O passeio chegara ao fim. Assim que o Dragão pousou no solo, baixou-se para que a Lebre pudesse descer. Silenciosamente avançaram até à Grande Árvore. As suas raízes ocupavam quase toda a clareira e o seu tronco era largo, enrugado pelo temo que já esquecera o seu nascimento. No centro, uma grande fenda. Era nela que vivia o sábio Mocho. Tanto o Dragão como a Lebre fecharam os olhos, curvando-se como se fizessem uma vénia:
- Sábio Mocho, dá-nos os teus ensinamentos ancestrais. – pediram em coro.
Da fenda dois olhos amarelos inundavam a escuridão fantasmagórica, surgindo o velho Mocho. Olhou-os em silêncio por breves instantes.
- Um dragão e uma lebre, o predador e a presa. – afirmou, soltando um pequeno riso. – Contudo deixam-se envolver na cumplicidade de sonharem da mesma forma. E sonham. Partilham o que sonham. Talvez de um próprio segredo que voz condena sem sequer saberem.
A Lebre e o Dragão olharam um para o outro confusos, voltando-se novamente para o Mocho. Com uma séria expressão, continuou o seu discurso:
- Se não temes este dragão, Lebre, deverás temer os outros, seus irmãos. O confronto terá início antes de se descobrirem. E tu, Dragão, entregas-te a um ser menor. Tornar-te-ás renegado, e a morte é um elogio para aqueles que corrompem a aliança…
- Os riscos que corro são medidos por mim. – interrompeu o Dragão.
- Certamente. Mas e os riscos submetidos à Lebre, quem os mede? – perguntou o Mocho.
- A morte é um começo para quem sonha e a Lua protege-me. – ripostou a Lebre. – Mas diz-me, que segredo se esconde na nossa existência e que partilhamos como os sonhos?
- Lebre atrevida! – advertiu o Mocho. – Não deverias querer saber tanto, nem mesmo fiar-te em deuses ancestrais. O segredo ser-vos-á revelado por vós próprios. O tempo corre, as areias continuam a mover-se e cada grão deverá manter o seu ritmo, ou o mundo perderia a sua estabilidade. Ainda que partilhem sonhos, não deverão esquecer os vossos primórdios princípios. Tu Dragão, abençoado pelo Sol. O fogo consome a tua existência. Não deixes que te consuma a alma. Lebre, abençoada pela lua. As trevas envolvem-te e os sonhos enchem-te de paz. Não te percas nas sombras. Sigam os vossos desejos, pois chegaram tão determinados que as minhas palavras perdem-se na pouca vontade de serem ouvidas.
Dito isto, voltou para dentro da fenda, deixando a Lebre e o Dragão serem envolvidos pelo silêncio. Olharam um para o outro. O Dragão baixou-se para que a lebre pudesse subir novamente para o seu dorso. Esta exitou, mas subiu. Em breve iria anoitecer. Tinham de regressar. Abandonaram a clareira, carregados de dúvidas, deixando para trás a Grande Árvore.
Momentos depois o Mocho voltou a sair da fenda olhando para baixo:
- Em breve irão descobrir a verdade. É uma questão de tempo. Se não mostrares dignidade, serei eu a revelar a sua cegueira, aquela criada por ti.
- Mas que atrevimento, sábio mocho! – ripostou uma voz vinda das sombras. – Esqueces-te de quem sou e daquilo que posso fazer?
- O medo que crias nos outros não surte o mesmo efeito em mim. A idade ensinou-me que este apenas nos consome. Respeito-te, mas não permitirei que quebres sonhos em nome do destino. Deixa-os criar o seu próprio.
Um riso inundou a clareira e da sombra apenas se conseguiam visualizar dois olhos verdes como duas grandes esmeraldas.
- Toma cuidado, sábio Mocho. Não me faças prescindir da tua existência.
E, com uma gargalhada sonora, desapareceu na escuridão da negra Floresta Proibida.
- Que não percam os vossos sonhos. – desejou o mocho, voltando para a solidão da sua fenda.

1 comentário:

Óhraesisstrákur disse...

Descobrir na claridade dos sonhos um recanto obscuro não diminui o prazer de os contemplar - pelo contrário, quanto maior a escuridão, mais as frestas de luz que resistem se destacam.