quinta-feira, janeiro 29, 2009

Song: Wonderful - Everclear


CHIU!

É difícil escrever quando não se sabe quais as palavras que melhor descrevem a ideia que desperta a vontade de sair da cama, acender um cigarro, ligar o computador e bater nas teclas, à espera de uma atitude mais frenética.

Acordou cedo, com as ruas escuras e húmidas. Não conseguia dormir, a noite passara-a em branco, num sono leve em inconsciente alerta. Um duche quente, kiwi, sumo de laranja, café e sanduíche com imagens noticiosas, sempre trágicas. Beijava as manhãs de silêncio. Não falassem com ele porque tem mau acordar, diziam-lhe os amantes, sem a prática das palavras guardadas. Aquele momento era sagrado, um estranho hábito para alguns, mas as palavras tinham como ser ditas mais tarde, com tempo para respirar.

Mas as grandes cidades acordam prematuramente. As filas infindáveis, os olhares apagados ajudam à ausência de diálogos, mas há sempre alguém com coisas para dizer e o que eram as máquinas avança num suave murmúrio, sobrepõem-se os fados trágicos segredados num palco improvisado, as histórias de famílias anónimas em rivalidades soturnas, a tradição que puxa a mãozinha à anca robusta fazendo vibrar óperas nefastas. É necessário mencionar os rebentos?

Começa a chover e logo pára. Espera que algo aconteça, farta-se de esperar, nada acontece. Acende um cigarro. Apenas pessoas que se movem entre autocarros e buzinas enfurecidas. E ele ali, à espera de que algo acontecesse entre os ponteiros do relógio. Mas nada acontece.

Não há nada para acontecer, apenas se tiver de acontecer e nós não sabemos o que nos tem de acontecer, fingimos apenas ter algum conhecimento de causa enquanto olhamos para o relógio, para as nossas horas.

Inicia-se então a lenta marcha. Segue, aguardando a sua vez, responde a perguntas com monossílabos e mesmo assim parece de mais, muito mecanizado e de efeito prático. “Não mostre os dentes” dizia uma mulher ruiva de cabelo forte e olhar curioso e frenético, com os lábios compridos e carregados. Um único flash e assim são marcados os próximos anos. A identidade que se forçava unicamente por questões burocráticas. Julgava não existir e era ridículo possuir um cartão que insistia na contrária ilusão.

As pessoas dizem tantas coisas. Falam de mais, muito alto. Estou farto que me digam coisas e as pessoas estão sempre a dizer coisas. Até mesmo quando não são para mim. Fazem muitas vezes monólogos, divagam, logo quando quero que se calem. Há muito ruído.

Entregou-se ao arrastar das horas vagas, tempo a que não poderia fugir. Pelo menos sempre se ia perdendo em pequenas conversas e cumplicidades, entre emoções várias, ainda que as temesse tanto evitando prender-se. Até porque esquecer era a sua fragilidade. Não esquecia e agora também não tinha nada para esquecer. Esquecia apenas as coisas leves, aquelas que se constroem com meia dúzia de palavras e que não são mais do que materiais ou físicas. Tudo o resto não esquecia. Tinha uma boa memória que via como uma qualquer maldição, e não um dom.

Um dom é algo que nos faz sentir bem. Não esquecer obriga-nos a recordar, até as coisas que doem… Mas é relativa a importância de tudo isto. Até a dor é relativa.

segunda-feira, janeiro 19, 2009


Olhar que não sente

Porque me olhas nos olhos
Com esses olhos tão cheios de nada,
De expressão a derreter no olhar
Como pérolas de água salgada?

Faz-me procurar o néctar dos teus lábios
Serenos e ausentes no gosto.
Procuro-te neles, molhando-os com palavras
E gemidos afagados quando avassaladas,

Mas tu olhas-me sem me olhar,
Com esses teus olhos vadios, vazios
E apagas a luz para que não te veja,
Para que sinta não sentindo…

segunda-feira, janeiro 05, 2009



Consciência encoberta

Deito a cabeça na almofada
e conto as palavras do dia,
tão repetidas, tão cheias de medo.

E a contagem prossegue,
marcando o rosto adormecido,
diluindo o tempo em escassas horas,
em espasmos inconscientes:

envolve-se o corpo suado no lençol,
num rastejar latente à lua encoberta.
A respiração que se afasta,
o suspiro que se perde sombrio…

Odiosas palavras que ofereceu
o dia à (in)consciência de serem ditas!
Serão na verdade, verdade apenas?

Abro então os olhos
e vejo o tempo que me resta:
pouco. - Mais um cigarro que se acende…

sexta-feira, janeiro 02, 2009



Uma nova imagem, mensagem?


Sempre que doía, sentia aquela vontade ansiosa de fechar-me no meu próprio silêncio, num soluçar ridículo. Fechar-me no silêncio não é ridículo, mas agendar esse sepulcro, moldar-me na sua exclusividade, é. E depois chegou aquele momento em que o tempo perdido não era recuperável. Nunca é. Por alguma razão chamamos passado ao que já aconteceu e não ao que estávamos a fazer num preciso instante em que pensamos na questão. Decidi afastar as cortinas, deixar entrar alguma luz, abrir a janela e respirar. Respirar é sentir que se está vivo, e estar vivo é lidar com tudo o que essa árdua tarefa nos oferece, e como dizia a minha amiga de nome francês: “como aqueles chupa-chupas, amargos na cobertura, mas doces por dentro, com que nos deliciávamos em crianças”.

Agora quando dói, ocupo-me com o meu dia, arranjo um tempinho para os amigos, algo que me faça sorrir e se, no fim, ainda doer, mesmo antes de dormir, escondo-me só por um pequeno instante, e liberto-me nas palavras mordidas, no quente gosto salgado e num suspirar clandestino.


Este blog, que sempre foi um testemunho de tantos sonhos, palavras rasgadas, vontades e outros tantos suspiros, muda também a sua imagem. Tudo aquilo que sempre foi, mas com outras perspectivas e olhares.


É como que renascer
Com certeza de simplesmente ser
Sem ódios desmesurados,
Sem amores afortunados,
Somente a subtileza de um olhar
E uma estranha vontade de sonhar…