segunda-feira, junho 21, 2010


Pressenti a chegada de uma qualquer melodia perdida sobre o rio. Soube-me a fantasia indiscreta, a sonhos e a viagens medievais perdidas nesta mesma cidade, nas sombras de outro tempo. Será imaginação provocada pelo transbordar de desejos, distraídos pelo sensabor rotineiro? Ou uma justificada vontade de estar orgulhosamente senil?
Aguardo que o fogo se extinga num altar de cinzas sem deuses que me guardem. Hoje quase que alcancei o que não tenho dedos para tocar, e o pó que ontem abracei faz-me esquecer que fui feiticeiro numa cidade de ilusionistas onde a música se deixa morrer em constelações efémeras. Quis segui-la, debruçando-me sobre as telhas ainda quentes, mas a cobardia fez-me ser apenas um observador de limitadas palavras. Um observador com os olhos cheios e de mãos vazias; com o coração a transbordar de memórias sensoriais, sendo que, na sua maioria, de duvidosa existência. Se os fechar, conseguirei ver? Conseguirei estender as mãos num infinito movimento e alcançar a certeza dos meus gestos? Conseguirei não me perder?
Ainda e oiço, distante, trazida pelo vento que me lambe a face com sabor a lua e a mar. Será real ou apenas uma ilusão de estado de espírito, ou uma necessidade? Será de relevante importância a sua origem?

O fogo extingue-se e num momento desprovido de luz, de sombras, de senso comum, sinto segurar-me a mão sem medo, sem preconceitos, sem palavras, sem promessas, leva-me a consciência, o pudor, as memórias, e deixa para traz o corpo adormecido, a ingenuidade de sonhar contos de fadas. Esse nada que me resta guardá-lo-ei como se guardam as estrelas, com desprendimento.

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