domingo, novembro 30, 2008

Ilusões


Faz frio, o quarto gela e as janelas parecem cristal com pequenas lágrimas, virgens a desflorar na derme, fria. E o quarto ficou vazio entretanto, desapareceu tudo, a estante, os livros, a cama, o roupeiro, as cómodas, os seus quadros e colagens, paredes brancas assentes em mármore azul, parecia gelo. Ajoelhou-se nesse chão para se abraçar e aquecer, porque a porta está fechada, não, a porta deixou de existir, não há porta e, provavelmente, nunca houve.

Então abraça-se na nudez de um corpo coberto de linho e as lágrimas aquecem a face gelada, escorrendo até aos lábios, com um gosto salgado e amargo, e caiem no mármore frio. É aí que se vê, à luz da lua cheia que timidamente trespassava os vidros de cristal, inverso, igual e oposto, que partilham lágrimas com olhares diferentes, medo, raiva, desespero, ódio. Palavras feias, mas tantas vezes sentidas e praticadas de leito em leito, num silêncio nocturno e hipócrita, como sempre é. Mas à sua verdade pouco humana nomeou de insana emoção, insana devoção, e assim foi se dando à majestosa postura com que se deixava pintar por pintores sem génio, pintores que não se conhecendo não conheciam os outros, pintores de vista turva, pintores sensacionalistas, tantos pintores, e nenhum soube pintar a sua verdade. São muitos pintores num mundo pequenino.

Aproxima-se então da janela, com passos tímidos e silenciosos e o corpo a tremer. Encosta-se À janela e respira a réstia de calor. Do outro lado vê o terno encanto, com dedos molhados a percorrer os vidros frios, incita o toque e tocam-se sem se tocarem, encostam as faces e os corpos sem sentirem o seu calor, beijam-se na inocência de não trocarem fluidos, de olhos fechados.

E o tempo abranda, como um suspiro cansado perdido na noite muda. Pára de chover e, quando abre os olhos, foi apenas um sonho. Tapa-se e volta a adormecer.

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