quarta-feira, maio 21, 2008


Crono

Os dias passavam como areia entre os dedos. Era a percepção que tinha sempre que consultava a lista das tarefas agendadas diariamente, apertadas nas pequenas linhas marcadas entre as horas. O tempo parecia nunca chegar. Via-se preso a um relógio viciado, que controlava frequentemente, tão louco e mecanizado quanto ele, viajantes das rotinas impostas pela sociedade e por si próprio, pelas suas escolhas.
Albergava-o uma cidade sombria e irrequieta, com seus gigantes e parasitas, num ruído constante e fumos negros e pensamentos obscuros ou emoções descontroladas, um cocktail que cria e assume a geração do victan, ou semelhantes, fervendo a droga legal no corpo e na mente, uma oferta ao estatuto distinto dos que se escondem nos vultos de uma noite pouco sóbria.
Sentia-se cansado e enjoado de tanto movimento e das corridas constantes de rua em rua, sempre nos mesmos caminhos. Bastava-lhe seguir as pegadas marcadas dos outros dias. Tomava-se como num parque de diversões macabras, em carrosséis contínuos de movimento meramente circular. Depois eram as caras, sempre iguais, máscaras que deambulavam entre si, de expressão medonha e olhar tenebroso, rindo de si e da sua condição, vazias, sem alma.
Restavam-lhe as noites de lua, em que esta se erguia no seu estado pleno por trás da serra, ostentando haver mundo para lá dos limites do conhecido. O primeiro impacto era fantasmagórico, pois as nuvens ocultavam parte do seu brilho. Não tinha medo. Era um ser nocturno, cujas ideias fluíam com os astros infinitos. Queria dormir, tinha sono, mas não se podia entregar às necessidades do corpo, sem antes satisfazer as vontades da mente. Eram escolhas, e as suas residiam na vontade de ser maior.

1 comentário:

AFSC disse...

Bonito texto. Continuas a escrever lindamente. Abraço